sexta-feira, 6 de abril de 2018

O Simbolismo da Mesa Pascal (Pe. Mikhail Vorobiev)

O Typikon chama cada refeição festiva de "grande consolo para os irmãos". A Pascha, que em importância está fora das fileiras dos doze principais dias de festa e é chamada de "Festa das festas e Celebração das celebrações", pressupõe uma abundância particularmente diversificada. No entanto, ao permitir esse consolo, a Igreja não endossa especificamente refinamentos que exigem muitos componentes ou pratos que são difíceis de preparar, considerando as novidades culinárias pretensiosas para cair sob o pecado da gula. Na mesa Pascal devem ser vários pratos simples, baratos, mas extraordinariamente saborosos, que trazem consigo um profundo significado simbólico.

Desde a primeira semana do jejum, a dona de casa responsável começa a guardar cebolas, que colorem os ovos da cor castanho-avermelhada mais adequada do que qualquer pó importado. Pintar ovos de Páscoa é uma verdadeira arte. Artistas miniaturistas são capazes de representar igrejas e mosteiros, buquês fantásticos, luzes celestes, o mar, florestas, estepes e montanhas, santos e anjos na superfície convexa. Exceto que toda essa pintura vem da influência do Ocidente, os verdadeiros ovos de Páscoa são sempre coloridos com cebolas!

A explicação dada para o costume de decorar os ovos de Páscoa de vermelho vem de um apócrifo bastante tardio que fala da conversão do imperador romano Tibério ao cristianismo. Desejando acabar com a pregação de Maria Madalena, ele declarou que preferiria acreditar em um ovo branco ficando vermelho do que na possibilidade da ressurreição dos mortos. Um ovo ficou vermelho, e isso se tornou o último argumento na polêmica que culminou no Batismo de César Romano.

O costume de trocar ovos coloridos entrou na vida da Igreja. O simbolismo do ovo como o começo de uma nova vida era conhecido ainda mais antes. Os cristãos viram neste símbolo a confirmação de sua fé na vinda da ressurreição. A cor vermelha do ovo de páscoa simbolizava o amor divino, que sozinho poderia destruir o inferno!











O kulich pascal assemelha-se aos artos em forma; pão este que é abençoado no ofício divino pascal e distribuído no sábado da Semana Luminosa. O artos pascal é um símbolo do próprio Senhor Jesus Cristo. Dirigindo-se aos discípulos, Ele disse: "Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto, e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo" (João 6:48-51). Artos é sempre preparado a partir de massa levedada. Este não é pão judaico sem fermento, no qual não há nada vivo. Este é o pão em que o fermento está respirando, a vida que pode durar para sempre. O status ontológico dos artos não permite a adição de nada supérfluo. Não contém produtos de panificação, nem aditivos aromáticos. Artos é um símbolo do pão mais cotidiano — Cristo, o Salvador, que é a vida!

No entanto, o kulich pascal, este artos que é trazido para a mesa festiva, tem, ao contrário, produtos de padaria, adoçantes, passas e nozes. O kulich russo devidamente preparado não fica obsoleto por semanas; é aromático, bonito, pesado e pode permanecer bom, sem estragar, durante todos os quarenta dias antes da Páscoa. Esta modificação do artos também tem uma base simbólica. O kulich pascal na mesa festiva simboliza a presença de Deus no mundo e na vida humana. A doçura, os bens de padaria e a beleza do kulich pascal exprimem, assim, a preocupação do Senhor por toda a existência humana, Sua compaixão, misericórdia, condescendência às fraquezas da natureza humana, Sua disposição de ouvir qualquer oração e auxílio do menor pecador.

O nome “dulcíssimo” dado ao senhor Jesus em um dos mais antigos akathistos ajuda a compreender o simbolismo do kulich pascal.

Ainda outro elemento indispensável da mesa pascal que é tão aromático e belo quanto: o queijo pascal, cujo simbolismo também está profundamente enraizado na Sagrada Escritura. Uma terra de rios de leite que flui através de bancos de kissel é um dos arquétipos mais difundidos e característicos das mais diversas culturas. Os rios de leite que fluíam ao longo dos bancos de kissel eram um eterno sonho dos camponeses russos, que se manifestavam em histórias e canções folclóricas.

O Senhor, dirigindo-se a Moisés, promete ao Seu povo escolhido uma terra boa e grande, a uma terra que mana leite e mel (Ex 3:8). Esta caracterização da Terra Prometida persiste ao longo de toda a história da Páscoa, a passagem dos judeus do Egito para a Palestina. É uma prefiguração do Reino Celestial, o caminho para o qual é para uma pessoa fiel mais difícil do que a jornada de quarenta anos dos judeus. Seu “leite e mel” é uma imagem da alegria sem fim, a bem-aventurança dos santos encontrada digna de salvação e permanência eterna diante do trono de Deus.

Assim, o queijo pascal é um símbolo da alegria da Páscoa, a doçura da vida paradisíaca, da bendita Eternidade, que não é uma continuação infinita do tempo, uma repetição sem sentido da mesma coisa, mas, segundo a profecia do Apocalipse, “um novo céu e uma nova terra". E a “colina”, a forma na qual a pascha é feita, é um símbolo da Sião Celestial, o fundamento duradouro da Nova Jerusalém — a cidade em que não há templo, pois o Senhor Deus Todo-Poderoso é o seu templo (Apocalipse 21:22).


Tradução: Felipe Rotta.