quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O Ícone Herético da Sagrada Família (John Sanidopoulos)

A principal razão pela qual a iconografia ortodoxa é mais do que fechada à inovação, é para impedir que os conceitos heréticos entrem na Igreja, uma vez que a heresia pode ser representada tanto em ícones como escrita em livros e proclamadas no púlpito. Uma dessas inovações na iconografia ortodoxa começou na América com a representação da "Sagrada Família", mostrando Cristo nos braços de São José e da Virgem Maria ou apenas nos braços de São José. Embora essas representações possam parecer inocentes, elas de fato exibem uma falta de atenção para assuntos essenciais da doutrina Ortodoxa.





Tais representações da "Sagrada Família" são baseadas nas inovações do Papado, que nos tempos modernos instituiu a Festa da Sagrada Família. Como observou um estudioso católico romano, ao contrastar a festa papal centrada na Sagrada Família com as festas cristãs da Antiguidade: "A Festa da Sagrada Família é um produto da nossa época moderna, na Iconografia Ortodoxa tradicional, o Cristo Menino é devidamente retratado, não só com São José, mas sim sozinho com Sua Mãe, enfatizando assim o dogma de que Ele é "um Filho sem pai, que foi gerado pelo Pai sem mãe antes dos tempos".

De fato, para proteger os fiéis de uma compreensão inadequada de seu papel paternal e de sua relação com a Theotokos, a iconografia ortodoxa tradicional minimiza a figura de São José (sem, evidentemente, denegrir sua pessoa), assim como os Padres da Igreja são lacônicos quando falam sobre ele. Por exemplo, no Ícone da Natividade de Cristo, como o Professor Constantine Cavarnos comenta: "Ele não é mostrado na parte central da composição, como a Theotokos e o Menino, mas afastado, num canto, para enfatizar o Relato bíblico e ensinamento da Igreja de que Cristo nasceu de uma Virgem". Leonid Ouspensky e Vladimir Lossky, em seu trabalho sobre a teoria iconográfica, fazem uma observação semelhante: "Outro detalhe enfatiza que na Natividade de Cristo, a ordem da natureza é vencida — este é José. Ele não faz parte do grupo central da Criança e da Sua Mãe, é o pai e está enfaticamente separado deste grupo". Da mesma forma, em ícones com temas semelhantes, como a Apresentação do Senhor ao Templo ou da Fuga Para o Egito, a iconografia ortodoxa não entende que São José possa ser a cabeça de algum tipo de "Sagrada Família"; antes, ele é visto como o guardião providencialmente ordenado da Theotokos e seu Divino Filho. Sua humilde aceitação e o cumprimento virtuoso desse papel são precisamente os pontos de foco em sua veneração pela Igreja Ortodoxa.

Santo Agostinho de Hipona ainda observa: "José poderia ser chamado de pai de Cristo, por ser, em certo sentido, o marido da mãe de Cristo, mas qualifica essa admissão insistindo em que, em sua relação conjugal, e por causa desta fidelidade conjugal (seu celibato mútuo), ambos são merecidamente chamados pais de Cristo (não só ela como Sua mãe, mas ele como Seu pai; sendo seu marido), ambos tendo sido tal em espírito e propósito, embora não em carne. Mas enquanto um era Seu pai somente em propósito, e Sua mãe também em carne, ambos eram, por tudo isso, apenas os pais de Sua humildade, não de Sua sublimidade; de Sua fraqueza, e não da Sua divindade. Assim, se os três devem ser retratados em iconografia juntos, eles devem ser representados cumprindo o seu propósito divino, mais do que como uma família de acordo com a carne."

Um grupo de pessoas que esta representação da "Sagrada Família" pode particularmente confundir são os convertidos do Evangelicalismo. Os evangélicos afirmam acreditar na Virgem Maria, o que significa que eles aceitam parcialmente esse dogma do Nascimento Virginal. Parte disso tem a ver com o fato de que os evangélicos consideram a domesticidade conjugal o ideal mais elevado da vida cristã, em aguda contradição com a Escritura e com o Pai que ensinam que o estado mais elevado da vida cristã é a virgindade, alcançando sua união com Deus. Através de notáveis hereges como os ebionitas Helvídio e Joviniano, os evangélicos mantêm à visão mais irreverente de que São José e a Virgem Maria se envolveram em relações físicas após o nascimento de Cristo, e por este meio geraram outros filhos. São João Damasceno chama aqueles que defendem esse ponto de vista de "inimigos de Maria". Assim, quando os evangélicos se convertem à Ortodoxia e vêem ícones como a "Sagrada Família", não deve surpreender que tal imagem os confunda e possa justificar a retenção de suas visões heréticas anteriores.

A perpétua virgindade da Theotokos é um pressuposto básico para realmente aceitar o dogma da Encarnação. Como escreve São Gregório Palamas: "Deus projetou para receber sua natureza de nós, hipostaticamente unindo-se com ela de uma maneira maravilhosa. Mas era impossível unir aquela Alta Natureza, cuja pureza é incompreensível para a razão humana, a uma natureza pecaminosa, antes dela, portanto, para a concepção e nascimento da Concessão de pureza, era necessário uma Virgem perfeitamente impecável e a mais pura". São Basílio, o Grande, chama de ícones "os livros dos analfabetos". Diz ele: "Que melhor prova temos de que as imagens são os livros dos analfabetos, os arautos sempre honrando os santo, ensinando aqueles que os contemplam sem palavras e santificando o espetáculo. Eu não tenho muitos livros ou tempo para estudar e ao entrar numa igreja, o refúgio comum das almas, com minha mente cansada de pensamentos conflitantes, vejo diante de mim um belo retrato e a visão me refresca e me induz a glorificar a Deus". Agora, se a pessoa analfabeta entra em uma Igreja Ortodoxa e vê e ícone da "Sagrada Família", como é que eles deveriam lê-lo corretamente sem uma interpretação árdua? Em vez disso, se uma imagem emite uma óbvia e imediata aparente falsidade ou heresia, então ela deve ser rejeitada para que não conduza ao inocente e simples extravio. Supõe-se que exista uma perfeita harmonia entre os dogmas escritos e as imagens que adornam nossas igrejas.

Na Igreja Ortodoxa, temos muitas famílias santas, como Joaquim e Ana com Theotokos, Zacarias e Isabel com João o Precursor, a família de Basílio o Grande, a família de Gregório Palamas, famílias que devemos celebrar e retratar em nossas igrejas, porque elas eram famílias de acordo com a carne. Por outro lado, a família de São José e da Virgem Maria com Cristo não eram uma família da carne, mas, como escreveu Santo Agostinho, uma família "de espírito e propósito", que foram reunidos por uma ordem divina para fazer Cristo realizar Sua obra de salvação para redimir a raça humana.

Tradução: Felipe Rotta