segunda-feira, 31 de julho de 2017

Um Entendimento Ortodoxo da Expiação (Jonathan Hill)

Como a Igreja Ortodoxa vê e articula a expiação de nosso Senhor? Esta questão surge entre muitos convertidos para a Igreja Ortodoxa, particularmente aqui na América. Muitos chegam à Igreja Ortodoxa, procurando deixar para trás o que consideram errôneas ou até terríveis noções de Deus desencadeando Sua ira sobre Seu Filho na cruz. Isso pode tornar-se tenso quando eles chegam a ver a Igreja Ortodoxa, através dos Santos Padres e hinografias, empregando os mesmos termos e palavreados como sua antiga tradição. Então, a Igreja Ortodoxa emprega um modelo de Substituição Penal da expiação?





Em suma, não, ela não o faz. Como, então, devemos ordenar adequadamente esses termos e sua aplicação para entender corretamente o ensinamento da Igreja sobre a expiação? Uma breve demonstração do conceito evangélico de Substituição Penal é que Deus exigiu que alguém que fosse igual a Ele deveria compensar a quebra de Sua Lei, a fim de que Ele permaneça justo e que haja justiça. Nesta visão, Deus derrama Sua ira sobre Cristo, ira por nós e por nossos pecados, e como Cristo é igual a Deus — como Ele é Deus — isso satisfaz os fundamentos da Lei, a desobediência de Adão.

Há muitos termos aí, todos os quais são usados pelos Santos Padres. No entanto, a Igreja Ortodoxa não só entende estes termos de uma maneira radicalmente diferente do que os evangélicos, eles também são radicalmente diferentes em sua aplicação. Passemos por cada termo, um por um.

Qual é o entendimento ortodoxo da justiça?

"Além disso, Deus é celebrado como Justiça porque é ele quem, segundo seu mérito, distribui a todos os seres proporção, beleza, ordem, harmonia e boa disposição; porque define para cada um a ordem que lhe convém, conforme a definição mais perfeitamente justa; porque é causa, enfim, para cada um dos seres de cada uma de suas operações próprias. Porque é a Justiça divina que dispõe todas as coisas, que determina todas as coisas, que evita em todas as coisas a mistura com todas as coisas e a confusão universal. É ela quem faz dom a todos os seres de bens que lhes convêm, conforme o mérito próprio de cada um." (São Dionísio, o Areopagita - Os Nomes Divinos)

São Dionísio nos revela que quando a Igreja e as Escrituras empregam o termo "justiça", não é um termo jurídico, mas um termo relativo à ordem apropriada das coisas. A justiça divina é a ordem perfeita do cosmos por Deus. A justiça divina não se refere apenas à ordem pré-lapsária (antes da "queda") do cosmos, mas também à maneira como Deus originalmente pretendia que Adão orientasse pastoralmente o cosmos. Na Crucificação, recebemos algo mais do que o que Adão teve no Jardim.

São Marcos, o Asceta diz: "As aflições trazem bençãos ao homem; a auto-estima e o prazer sensual, a maldade." (On Spiritual Law 42, Philokalia vol. 1)

Neste mundo, o que consideramos como prazer é o mal porque é uma continuação da desestruturação ou do caos da criação.

Mas as aflições neste mundo são um resultado direto do reordenamento para aquela ordem original e perfeita. Seria injusto que Deus deixasse Sua criação desordenada, que nos deixasse em nosso estado caído. A única coisa justa para Deus fazer seria desfazer isso. Esta ruína, e de fato desfeita, nos causa aflição, como indicado diretamente acima. Esta aflição alguns referem-se como satisfação, especificamente, a satisfação do retorno à ordem natural. Onde os não ortodoxos tendem a usar "satisfação" para se referir a algo que afeta ou pertence a Deus tendo Sua ira "satisfeita", a Igreja entende a satisfação como algo afetando ou pertencente ao homem. Nós vemos aqui que não só a satisfação é entendida radicalmente, mas sua aplicação é radicalmente oposta.

Por que, então, o apóstolo diz que Deus é reconciliado com o homem? (Romanos 5:10, 2 Coríntios 5:18, 5:20, Col. 1: 20-21).

"Os benefícios deste Poder inesgotável se estendem igualmente aos homens, aos animais, às plantas e ao universo inteiro. Ele doa àqueles que se unem entre si o poder de viver em amizade e em comunhão, a cada um daqueles que se distinguem uns dos outros o poder de permanecer na sua própria razão e de permanecer fiel à sua definição particular, sem mistura e sem confusão. É ele quem salvaguarda, com ordem perfeita e com toda retidão, a manutenção do bem próprio a cada ser; quem assegura a imutabilidade às vidas imortais das mônadas angélicas; quem defende contra toda alteração a essência e a disposição dos corpos celestes luminosos e siderais; quem dá o ser à sua perpetuidade; quem distingue por seus processos as revoluções do tempo e as congrega na unidade por meio de seus retornos periódicos." (São Dionísio, o Areopagita - Os Nomes Divinos)

O Poder Superessencial não só habilita todas as coisas — reside em todas as coisas. O homem não é apenas reconciliado com o Éden, com a criação, mas a criação é reconciliada com o homem. O Poder energizante, que é Deus, e que estava antes da fundação do mundo, é reconciliado com o homem. Paraíso, aquele seio de Abraão, que é o próprio Deus, que uma vez cuspiu o homem, acolhe o homem. Ele se "reconcilia" com o homem. Eu acredito que podemos até levar isso mais longe: A Imagem, que é Deus, e que temos marcado, reconcilia-se com o homem. O nous, aquele canal maravilhoso para coisas desconhecidas, escuras e sujas como a fizemos, é reconciliado no homem. Nossas ações, preenchidas com o Poder energizante, são cem por cento nossas e cem por cento de Deus, conciliando nossas ações com Deus dentro de nós mesmos.

Este grande e maravilhoso dom também é imerecido, razão pela qual a misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram (Salmos 85:10). A justiça divina, aquela perfeita ordenação original do mundo, com as coisas que vivem de acordo com sua natureza, é uma saída direta da verdade: a justiça é semelhante a uma energia da verdade, uma percepção daquilo que é verdade e a misericórdia é um trabalho direto da Sua justiça. Como Santo Agostinho escreve em seu comentário sobre o mesmo versículo: Pois, se não amar a justiça, não terás paz: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão a misericórdia.

Alguns podem dizer que simplesmente rasguei o que comumente se chama o modelo Christus Victor da expiação, exceto que Christus Victor ainda sofre com o mesmo monergismo, esse conceito de que Deus dá salvação a um indivíduo independentemente de sua cooperação, assim como o PSA. Conforme destacado acima no comentário de Santo Agostinho, estas são ações que nós mesmos devemos tomar. É por isso que a Igreja Ortodoxa defende um conceito sinérgico da expiação. Há ações que devemos tomar. Aplique isso a João 14: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida — eles são unidos entre si. Quando você está no Caminho, está fazendo obras justas e aprendendo o bom ordenamento das coisas, que é a Verdade, então a você é dado a Vida.

"Celebra-se ainda a Justiça divina como Salvação universal, porque é ela quem guarda e conserva em cada ser a pureza de sua essência e de sua condição próprias, sem lhe permitir se confundir com nenhum outro, igualmente porque ela é a verdadeira causa de todas as suas operações próprias. Caso a celebremos como Salvação é, além disso, porque ela preserva todas as coisas dos ataques do mal. Subscrevemos, também nós, este louvor que se concede a Deus chamando-o de Salvaguarda universal, porque afirmamos assim que ele' seja definido como Aquele que conserva fundamentalmente todas as coisas, que poupa todo ser da mudança, da corrupção, da deterioração, que vela sobre todo ser, que ordena todas as coisas sem luta e sem conflito segundo as razões que lhe convém, que elimina por toda parte a desigualdade e toda operação estranha, que conserva as proporções de cada criatura, de maneira que nenhuma decaia nem se transforme em seu oposto." (São Dionísio, o Areopagita - Os Nomes Divinos)

Compreendemos a redenção do mundo precisamente como a sua restauração ao seu estado original, ao mesmo tempo em que é uma reconciliação do homem com Deus e de Deus com o homem. Nosso amor pelo mundo caído, por essa ordem imprópria, traz aflição sobre nós mesmos. Então, Deus, porque Ele é justo, em Sua misericórdia envia Seu único Filho para redimir o mundo. Ele satisfaz o nosso estado de caído ao redimir e reconciliar o mundo tanto para e em si mesmo, como também para nós e em nós mesmos. Ele nos convida a tornar-se cooperadores com Ele nesta grande restauração, e, levando-nos no caminho da justiça, nos ensina a verdade, e, finalmente, nos concede vida eterna.


Tradução: Felipe Rotta