segunda-feira, 31 de julho de 2017

Um Entendimento Ortodoxo da Expiação (Jonathan Hill)

Como a Igreja Ortodoxa vê e articula a expiação de nosso Senhor? Esta questão surge entre muitos convertidos para a Igreja Ortodoxa, particularmente aqui na América. Muitos chegam à Igreja Ortodoxa, procurando deixar para trás o que consideram errôneas ou até terríveis noções de Deus desencadeando Sua ira sobre Seu Filho na cruz. Isso pode tornar-se tenso quando eles chegam a ver a Igreja Ortodoxa, através dos Santos Padres e hinografias, empregando os mesmos termos e palavreados como sua antiga tradição. Então, a Igreja Ortodoxa emprega um modelo de Substituição Penal da expiação?





Em suma, não, ela não o faz. Como, então, devemos ordenar adequadamente esses termos e sua aplicação para entender corretamente o ensinamento da Igreja sobre a expiação? Uma breve demonstração do conceito evangélico de Substituição Penal é que Deus exigiu que alguém que fosse igual a Ele deveria compensar a quebra de Sua Lei, a fim de que Ele permaneça justo e que haja justiça. Nesta visão, Deus derrama Sua ira sobre Cristo, ira por nós e por nossos pecados, e como Cristo é igual a Deus — como Ele é Deus — isso satisfaz os fundamentos da Lei, a desobediência de Adão.

Há muitos termos aí, todos os quais são usados pelos Santos Padres. No entanto, a Igreja Ortodoxa não só entende estes termos de uma maneira radicalmente diferente do que os evangélicos, eles também são radicalmente diferentes em sua aplicação. Passemos por cada termo, um por um.

Qual é o entendimento ortodoxo da justiça?

"Além disso, Deus é celebrado como Justiça porque é ele quem, segundo seu mérito, distribui a todos os seres proporção, beleza, ordem, harmonia e boa disposição; porque define para cada um a ordem que lhe convém, conforme a definição mais perfeitamente justa; porque é causa, enfim, para cada um dos seres de cada uma de suas operações próprias. Porque é a Justiça divina que dispõe todas as coisas, que determina todas as coisas, que evita em todas as coisas a mistura com todas as coisas e a confusão universal. É ela quem faz dom a todos os seres de bens que lhes convêm, conforme o mérito próprio de cada um." (São Dionísio, o Areopagita - Os Nomes Divinos)

São Dionísio nos revela que quando a Igreja e as Escrituras empregam o termo "justiça", não é um termo jurídico, mas um termo relativo à ordem apropriada das coisas. A justiça divina é a ordem perfeita do cosmos por Deus. A justiça divina não se refere apenas à ordem pré-lapsária (antes da "queda") do cosmos, mas também à maneira como Deus originalmente pretendia que Adão orientasse pastoralmente o cosmos. Na Crucificação, recebemos algo mais do que o que Adão teve no Jardim.

São Marcos, o Asceta diz: "As aflições trazem bençãos ao homem; a auto-estima e o prazer sensual, a maldade." (On Spiritual Law 42, Philokalia vol. 1)

Neste mundo, o que consideramos como prazer é o mal porque é uma continuação da desestruturação ou do caos da criação.

Mas as aflições neste mundo são um resultado direto do reordenamento para aquela ordem original e perfeita. Seria injusto que Deus deixasse Sua criação desordenada, que nos deixasse em nosso estado caído. A única coisa justa para Deus fazer seria desfazer isso. Esta ruína, e de fato desfeita, nos causa aflição, como indicado diretamente acima. Esta aflição alguns referem-se como satisfação, especificamente, a satisfação do retorno à ordem natural. Onde os não ortodoxos tendem a usar "satisfação" para se referir a algo que afeta ou pertence a Deus tendo Sua ira "satisfeita", a Igreja entende a satisfação como algo afetando ou pertencente ao homem. Nós vemos aqui que não só a satisfação é entendida radicalmente, mas sua aplicação é radicalmente oposta.

Por que, então, o apóstolo diz que Deus é reconciliado com o homem? (Romanos 5:10, 2 Coríntios 5:18, 5:20, Col. 1: 20-21).

"Os benefícios deste Poder inesgotável se estendem igualmente aos homens, aos animais, às plantas e ao universo inteiro. Ele doa àqueles que se unem entre si o poder de viver em amizade e em comunhão, a cada um daqueles que se distinguem uns dos outros o poder de permanecer na sua própria razão e de permanecer fiel à sua definição particular, sem mistura e sem confusão. É ele quem salvaguarda, com ordem perfeita e com toda retidão, a manutenção do bem próprio a cada ser; quem assegura a imutabilidade às vidas imortais das mônadas angélicas; quem defende contra toda alteração a essência e a disposição dos corpos celestes luminosos e siderais; quem dá o ser à sua perpetuidade; quem distingue por seus processos as revoluções do tempo e as congrega na unidade por meio de seus retornos periódicos." (São Dionísio, o Areopagita - Os Nomes Divinos)

O Poder Superessencial não só habilita todas as coisas — reside em todas as coisas. O homem não é apenas reconciliado com o Éden, com a criação, mas a criação é reconciliada com o homem. O Poder energizante, que é Deus, e que estava antes da fundação do mundo, é reconciliado com o homem. Paraíso, aquele seio de Abraão, que é o próprio Deus, que uma vez cuspiu o homem, acolhe o homem. Ele se "reconcilia" com o homem. Eu acredito que podemos até levar isso mais longe: A Imagem, que é Deus, e que temos marcado, reconcilia-se com o homem. O nous, aquele canal maravilhoso para coisas desconhecidas, escuras e sujas como a fizemos, é reconciliado no homem. Nossas ações, preenchidas com o Poder energizante, são cem por cento nossas e cem por cento de Deus, conciliando nossas ações com Deus dentro de nós mesmos.

Este grande e maravilhoso dom também é imerecido, razão pela qual a misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram (Salmos 85:10). A justiça divina, aquela perfeita ordenação original do mundo, com as coisas que vivem de acordo com sua natureza, é uma saída direta da verdade: a justiça é semelhante a uma energia da verdade, uma percepção daquilo que é verdade e a misericórdia é um trabalho direto da Sua justiça. Como Santo Agostinho escreve em seu comentário sobre o mesmo versículo: Pois, se não amar a justiça, não terás paz: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão a misericórdia.

Alguns podem dizer que simplesmente rasguei o que comumente se chama o modelo Christus Victor da expiação, exceto que Christus Victor ainda sofre com o mesmo monergismo, esse conceito de que Deus dá salvação a um indivíduo independentemente de sua cooperação, assim como o PSA. Conforme destacado acima no comentário de Santo Agostinho, estas são ações que nós mesmos devemos tomar. É por isso que a Igreja Ortodoxa defende um conceito sinérgico da expiação. Há ações que devemos tomar. Aplique isso a João 14: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida — eles são unidos entre si. Quando você está no Caminho, está fazendo obras justas e aprendendo o bom ordenamento das coisas, que é a Verdade, então a você é dado a Vida.

"Celebra-se ainda a Justiça divina como Salvação universal, porque é ela quem guarda e conserva em cada ser a pureza de sua essência e de sua condição próprias, sem lhe permitir se confundir com nenhum outro, igualmente porque ela é a verdadeira causa de todas as suas operações próprias. Caso a celebremos como Salvação é, além disso, porque ela preserva todas as coisas dos ataques do mal. Subscrevemos, também nós, este louvor que se concede a Deus chamando-o de Salvaguarda universal, porque afirmamos assim que ele' seja definido como Aquele que conserva fundamentalmente todas as coisas, que poupa todo ser da mudança, da corrupção, da deterioração, que vela sobre todo ser, que ordena todas as coisas sem luta e sem conflito segundo as razões que lhe convém, que elimina por toda parte a desigualdade e toda operação estranha, que conserva as proporções de cada criatura, de maneira que nenhuma decaia nem se transforme em seu oposto." (São Dionísio, o Areopagita - Os Nomes Divinos)

Compreendemos a redenção do mundo precisamente como a sua restauração ao seu estado original, ao mesmo tempo em que é uma reconciliação do homem com Deus e de Deus com o homem. Nosso amor pelo mundo caído, por essa ordem imprópria, traz aflição sobre nós mesmos. Então, Deus, porque Ele é justo, em Sua misericórdia envia Seu único Filho para redimir o mundo. Ele satisfaz o nosso estado de caído ao redimir e reconciliar o mundo tanto para e em si mesmo, como também para nós e em nós mesmos. Ele nos convida a tornar-se cooperadores com Ele nesta grande restauração, e, levando-nos no caminho da justiça, nos ensina a verdade, e, finalmente, nos concede vida eterna.


Tradução: Felipe Rotta

domingo, 30 de julho de 2017

A Encarnação como Fundamento da nossa Vida Espiritual (São Sofrônio Sakharov)

A vida cristã é fundada no fato da encarnação de Deus. Em nossa carne, criada por Ele, Ele manifestou Sua perfeição pré-eterna, permitindo-nos assim julgar até que ponto não conseguimos atingir a Estatura de Deus ou abordar o Seu Ser supremo. Se nos assemelharmos a Ele no funcionamento interno do nosso coração, na maneira de nosso pensamento, em nossas reações a tudo o que nos ocorre no plano terreno, também devemos tornar-se um fato semelhante a Ele em Sua Divindade. Os Evangelhos fornecem uma imagem suficientemente clara Dele, enquanto as Epístolas descrevem a experiência da vida Nele. Seus mandamentos são a Luz incriada em que Ele se revela particularmente a nós "como Ele é" (João 3:2). "Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue, não andará em trevas, mas terá a luz da vida." (João 8:2)

Quando nos examinamos à luz dos mandamentos do Senhor, vemos que somos totalmente corruptos e desprovidos de qualquer capacidade de bem. Horrorizados, nos arrependemos diante de Deus e o imploramos para nos restaurar da morte com a qual somos atingidos. Estamos prontos para quebrar as correntes de nossa própria vontade e entregar-nos inteiramente à Sua santa e perfeita vontade. Mas ah, o quão difícil isso é, especialmente no início! No entanto, é o meio pelo qual podemos nos juntar ao fluxo de Sua eternidade. Confiar em Deus em tempos de perigo concentra nosso espírito Nele e podemos sentir Sua imortal respiração sobre nós. Este grande presente entra por um arrependimento humilde mas abrasador. Um milagre — quanto mais eu "vejo" Deus, mais ardente se torna o meu arrependimento, já que reconheço mais claramente minha indignidade pela sua visão.





A Encarnação tornou possível que a humanidade seguisse o caminho para o Pai, perseverando no espírito dos mandamentos de Cristo em todas as circunstâncias da vida terrena. O amor por Cristo que vem da guarda desses mandamentos torna a oração intensa, ardente, levando tal avidez pelo Senhor, para que o espírito percorra os confins deste mundo, para ser absorvido pelo Deus Único.  Esse tipo de oração cria um laço entre a alma e o Espírito da Verdade, e quando ela conhece esse Espírito, a reconhecerá "como seu salvador", como expressou São Siluan e se entregou a Ele. E, inversamente, a alma espontaneamente, rejeitará intuitivamente inúmeras verdades fantasmas capazes de atrair a mente inexperiente e o coração não-iluminado. A Luz Divina revela a verdadeira natureza dos espíritos tentadores, e assim nos livra das atrações tolas da "oposição".

A encarnação do Logos do Pai — Jesus Cristo — fornece um fundamento sólido para o nosso conhecimento de Deus. Accionado por amor a Ele, passamos por uma transformação profunda de todo o nosso ser. A vida infinita de Cristo é transmitida a nós. Nosso espírito se encontra em polos opostos — tanto as profundezas obscuras do inferno como o Reino de Deus iluminados pelo Sol que nunca se põe. 

O conteúdo do nosso ser se expande ineficazmente. Em uma oração urgente, a alma aspira a este Deus maravilhoso, mas é muito tempo antes de perceber que Ele mesmo está orando em nós. Através desta oração dada por Deus, somos unidos existencialmente com Cristo — em primeiro lugar, em Seu Auto-esvaziamento e descida até o hades, e depois em Sua Divindade. "E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste." (João 17:3)


São Sofrônio Shakharov, "We Shall See Him As He Is". Pgs, 150-152, 170.


Tradução: Felipe Rotta

sábado, 29 de julho de 2017

A Perspectiva Ortodoxa sobre a prática do Yoga (Joseph M. Frangipani)

Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? (Coríntios 6:14-16)





Fui criado como católico romano. Adorei a oração. Atravessando bosques, brincando em riachos, atravessando os vastos campos da imaginação. Isso era como uma oração para mim: o silêncio, a quietude, as crianças hesicastas encontram a si mesmas pela natureza. Eu nem sempre fiquei neste lugar de oração. Mas eu reconheci isso. E eu tomava por certo, como uma simples atividade dentro do coração.

Todos nós experimentamos isso em graus variados. Usamos palavras diferentes — ou nenhuma, porque todas parecem tão inadequadas — para expressar o movimento do coração em direção a Deus. Parece que quando somos inocentes de coração, especialmente quando somos muito jovens, há uma percepção tangível de duas dessas experiências. Amante e Amado. Como criança, não articulei essa presença como Cristo — assim como nunca articulei meus pais por seus nomes. Eu apenas os conheci.

Como estudante do ensino médio — meus avós me colocaram em uma escola secundária católica romana onde todos os outros garotos estudavam — eu queria ser um monge trapista. Participava regularmente aos ofícios e lia a Bíblia com frequência. As Escrituras realmente são como uma porta. Você pode entrar através dela e o Espírito Santo leva você a lugares sem nunca tirar os pés do chão. Mas eu sabia que havia algo mais. Uma diferença entre ler sobre as experiências e a própria experiência.

O Dr. Harry Boosalis escreve em seu livro Sagrada Tradição: "Nós não somos chamados simplesmente para 'seguir' a Tradição ou 'imitar' a Tradição. Somos chamados a experimentá-la, assim como os santos têm e continuam a fazer". Sabemos que falta alguma coisa no mundo que nos norteia. Alguma riqueza, alguma profundidade. Esta é, claro, a riqueza do amor, da luz e da graça de Deus. Mas, naquela época da minha vida, não tive palavras para expressar isso. Portanto, eu atribui essa insatisfação, esse desconforto, a outras coisas.

Então, um professor de Psicologia na escola secundária guiou minha classe através da auto-hipnose. Minha intriga com a meditação seguiu logo depois. Eu me senti relaxado. Eu deixei minha guarda baixa para novas experiências. Senti como se a porta de trás do meu coração se abrisse permanentemente. Eu rejeitei Deus 'para ir sozinho e por conta própria'. Experimentei, com muita clareza, uma luz se desligando dentro de mim. A Presença, o Alguém, o Amigo respeitou essa decisão. Sentiu-se como se Ele deixasse silenciosamente. Ele respeita o livre-arbítrio. Ele nunca se força. Ele bate à porta do coração e espera.

Então eu comecei a meditar regularmente. Inicialmente, na adolescência, era realmente difícil: sentado por horas com os antigos tibetanos budistas, completamente imóvel, trazendo meus pensamentos de volta para a parede nua e a estátua de bronze do Buda na minha frente. Comecei a estudar sobre a reencarnação, karma e samsara. Eu ainda não conhecia as origens do Budismo tibetano na religião xamânica chamada Bön, nem as vertentes da Astrologia, da magia e outras práticas ocultas.

Eu queria aprender a acalmar a ansiedade e a depressão, como varrer os pensamentos dispersos. Visitando salões de meditação budistas e ashrams hindus, fiquei intrigado com os "fogos de artifício espirituais": os êxtases, os trances, os sentimentos e as visões. Estes estão associados a todos os níveis de meditação e yoga e aumentam com a prática. Essas experiências e mais são algumas vezes referidas como siddhis, ou poderes adquiridos através da sadhana (prática de meditação e yoga). A intriga tornou-se fascínio, e o fascinante tornou-se familiar. Sem minha observação, minha curiosidade inicial "inofensiva" de yoga e meditação endureceu com o hábito. Passei mais de uma década imerso neste mar espiritual.

Durante esses anos, muitas perguntas foram feitas. Por exemplo, os sacerdotes e monges católicos romanos sabem se os primeiros cristãos acreditavam na pré-existência das almas e na reencarnação? Eles disseram que não sabiam. E além disso, eles perguntaram: "o que importa?". Lendo mais as origens e os significados das religiões do Extremo Oriente e ansioso para experimentar os bardos — as dimensões intermediárias dos mundos material e espiritual — estudei o Livro Tibetano do Viver e do Morrer.

Eu li toda a literatura mística e esotérica em que consegui colocar minhas mãos e guardei uma cópia do Bhagavad Gita dobrada no bolso de trás e li os escritos de Paramahansa Yogananda. Eu mergulhei-me nos escritos de Osho, li Ram Dass e Ramana Maharshi, convencido de que não havia ser mais divino do que eu. Isso foi para quebrar a minha ilusão. De acordo com muito do que eu li e ouvi, não pode haver relacionamento pessoal com o Divino e isso me incomodou. A natureza tranquila e pacífica da infância havia desaparecido. Quanto mais mergulhava na meditação e yoga, os impulsos mais repentinos e inexplicáveis que experimentei começaram a me machucar. Minha alma estava sob ataque. Este foi um período muito sombrio e infeliz da minha vida.

Buscando a calma, peguei o voto do Bodhisattva e procurei uma ordem monástica contemplativa e pacífica dentro do Budismo, em um esforço para aterrar-me em algum lugar, com alguma coisa. Após um período inicial de paz relativa, a ousadia desenvolveu, até a imprudência, em relação às atividades espirituais. Eu estava passando por uma espécie de alcoolismo espiritual. Mas eu não sabia disso.

O Filho Pródigo comeu a comida dos porcos em um país distante. Mas ele voltou para casa quando lembrou o sabor do Pão da casa de seu pai. Por mais de uma década, vivi neste país distante, comendo sua comida.

Eu vi tantas pessoas — alguns amigos, muitos estranhos — buscando a dissolução de si mesmo. Eles tinham um desejo insaciável de se perder, não na vida e na luz de Deus, mas na escuridão do vazio, em uma separação do Amor em que tudo Transcende. Essa separação é o inferno. Muitos homens, mulheres e crianças procuram esse inferno, girando através de relações promíscuas e pulando pelas janelas das drogas, através das quais muitos caem.

Mas estudei e pratiquei Kundalini, Yoga e Xamanismo, aprendendo a presença do medo e da frieza.

Cresci com a reputação de ler o Tarot, um método oculto de adivinhação. Ensinei yoga e instruí grupos através de meditações guiadas e cantei em desertos de sálvia. Experimentamos a projeção astral — experiências guiadas de fora do corpo através dos bardos descritos nos livros tibetanos. Eu carregava não só as cópias sublinhadas do Bhagavad Gita, mas dos Upanishads e sutras dos buddhas em todos os lugares que eu fui. Cada uma dessas atividades era um curso de natação longe da montanha sagrada de Cristo. Limpando a pasta laranja na minha testa, toquei os sinos e ofereci frutas e fogo enquanto adorava Krishna, vagando descalço nas ruas de Eugene, Portland, Seattle e, finalmente, Rishikesh, Haridwar e Dharamsala, no norte da Índia.

"Separado de Deus, que é a fonte da Vida", escreve Arquimandrita Zacharias em seu livro O Homem Oculto do Coração, "o homem só pode retirar-se para si mesmo... Aos poucos ele é deixado desolado e dissoluto".

O Budismo rejeita o eu, a alma e a pessoa. Dobra seus braços em silêncio contra Deus. O sofrimento nunca é transfigurado. Existem cruzes no Budismo, mas nunca há ressurreição. Pode-se dizer que o Budismo encontra o túmulo vazio e declara esse vazio o estado natural das coisas, até mesmo o objetivo. No Budismo tudo — o céu, o inferno, Deus, o eu, a alma, a pessoa — é uma ilusão que espera ser superada, descartada, destruída. Este é o objetivo. Eliminação total. Neste axioma do século 9, a essência do Budismo é resumida: "Se você vê o Buda, mate-o".

O budismo não profere, nem pode, curar a alma e o corpo. Tanto a alma como o corpo devem ser superadas e descartadas. Na Igreja Ortodoxa, no entanto, a alma e o corpo devem ser curadas. O Budismo ensina que nada tem valor intrínseco. A Igreja ensina que tudo o que Deus faz tem valor intrínseco. Isso inclui o corpo humano. Somos seres complexos. As ações de nosso corpo, mente e alma estão ligadas. E essas ações vinculadas estão diretamente relacionadas ao nosso relacionamento com Deus e o domínio espiritual. Para os cristãos ortodoxos, tudo — mesmo o sofrimento — é uma porta escondida através da qual nos encontramos com Cristo, pelo qual nós abraçamos.

Um outono, viajei para Rishikesh, na Índia. Esta cidade tem o nome do deus pagão Vishnu, "o senhor dos sentidos". Rishikesh é a "capital mundial do yoga". Geralmente é aceito ser o lugar na terra de onde o yoga se originou. Durante 40 dias estudei e pratiquei o chamado caminho espiritual secreto do yoga integral nos sopés dos Himalaias. Isso abrangeu não apenas o "yoga ginasiano" da América; cada classe começou e terminou com uma oração para "o deus da tempestade que ruge", Shiva.

Isso enquanto eu ensinava inglês a refugiados tibetanos e trabalhava para o governo nacional tibetano como editor. O Yoga é historicamente enraizado no Hinduísmo. Curioso, falei com um rinpoche no mosteiro do Dalai Lama em Dharamsala. Perguntei-lhe quem ou o que são esses deuses hindus de acordo com a cosmologia budista. Sua resposta foi alarmante: "Eles são seres criados, com um ego... eles são espíritos presos no ar".

O que é ioga? O que é energia Kundalini?

O significado literal do yoga é "jugo". Isso significa amarrar sua vontade à serpente Kundalini e levantar à Shiva a fim de experimentar seu "verdadeiro" eu. Todos os caminhos do yoga estão interligados como ramos de uma árvore. Uma árvore com raízes que descem para as mesmas áreas do mundo espiritual. Isto é evidente nos livros antigos do Bhagavad Gita e dos Sutras Yogic de Patanjali. Aprendi que o objetivo final do yoga é despertar a energia da Kundalini enrolada na base da espinha na imagem de uma serpente para que ela o leve a um estado pelo qual você conhece como Tat Tvam Asi.

Claro, o yoga pode facilitar experiências excepcionais de corpo e da mente. Mas o mesmo acontece com a ingestão de drogas que alteram a mente, e insípido, venenos imperceptíveis. Através do yoga, pouco a pouco, alguém está aproveitando o Shakti, que os yogues se referem como a Mãe Divina, a "deusa das trevas" conectada com outros grandes deuses hindus. Essa energia não é o Espírito Santo, e isso não é aeróbica ou ginástica. Anexados a todo este sistema estão os Bhajans e os Kirtans — equivalentes pagãos aos Akathistos cristãos ortodoxos, mas para os deuses hindus —, bem como os mantras, que são fórmulas "sagradas", como cartões telefônicos ou números de telefone, aos vários gurus pagãos e deuses.

Como o yoga está conectado com o Hinduísmo?

Para ser claro, o hinduísmo não se refere a uma religião específica. É um termo que os britânicos deram aos vários cultos, filosofias e religiões xamanistas da Índia. Se você perguntar a um hindu se ele acredita em Deus, ele pode dizer-lhe que você é Deus. Mas pergunte a outro, e ele apontará para uma pedra, ou uma estátua, ou uma chama de fogo. Esta é a polaridade hindu: ou você é deus, ou tudo o mais é um deus. Yoga está embaixo deste guarda-chuva do Hinduísmo e, em muitos aspectos, é o pólo do guarda-chuva. Atua como um braço missionário para o Hinduísmo e a Nova Era fora da Índia. O Hinduísmo é como uma extraordinária boneca russa: você abre uma filosofia e dentro dela surgem mais dez mil.

Você pode nadar de forma fácil e descuidada em águas que você não conhece. Mas, inconsciente das marés da área, você pode estar em perigo. Você pode ser varrido pela ressaca. Você pode cortar-se contra rochas invisíveis e contrair infecção ou um veneno imperceptível. Isso acontece na vida espiritual. Quando mergulhamos no oceano, podemos nos atrair para os peixes mais brilhantes, coloridos e intrigantes, mas os mais coloridos e exóticos são muitas vezes os mais venenosos e mortais. Na primeira vez que visitei a Índia, tirei meus sapatos e meias e passei pela água, cocos, doces descartados e fogo brilhante do Templo de Kalkaji. É um dos templos mais famosos dedicados a Kali, "a deusa da morte". Não sabia, mas estava bem no meio de sua mais importante festa do ano. O templo era um caos e a energia era muito intensa e escura.

Milhares de homens, mulheres e crianças se reuniram neste templo Rishikesh para adorar esse demônio. Ao lado de mim, os olhos de uma mulher recuaram na cabeça, os braços acenando para frente e para trás, a língua balançando em sua boca, as pernas elevando-se e caindo como uma fantoche em cordas. Esta era claramente possessão demoníaca.

Uma vez, venerei o ícone da Santa Mãe de Deus e experimentei um calor incrível, lágrimas de humildade e amor, clareza mental e paz. Era como andar na frente de uma janela cheia de luz solar quente e perfumada. No templo de Kalkaji, experimentei o contrário. Kali é muitas vezes retratada como uma deusa terrível e de vários braços com pele roxa levantando uma cabeça humana cortada, uma língua sangrenta pendurada na boca. Ela usa um colar de cabeças humanas e um cinto de armas.

Bebi café com pessoas notáveis no movimento de yoga, Hinduísmo e Nova Era na América que, para serem iniciados em seu culto, foram incitados a comer cadáveres humanos de cemitérios nepaleses. Não muito tempo atrás, o popular jornal britânico The Guardian informou que os sacrifícios infantis continuam até hoje, em homenagem a este demônio Kali. Tudo isso está ligado ao Hinduísmo. E está ligado ao yoga porque as posturas do yoga não são religiosamente neutras. Todas as asanas clássicas têm seu significado espiritual. Por exemplo, como um jornalista relata, as saudações do sol, talvez a série mais conhecida de asanas, ou posturas, de hatha yoga — o tipo mais comum praticado na América — é literalmente um ritual hindu. "Saudação ao Sol nunca foi uma tradição de hatha yoga", diz Subhas Rampersaud Tiwari, professor de filosofia de yoga e meditação na Universidade Hindu da América em Orlando, Flórida. "É toda uma série de apreciações e rituais ao sol, sendo grato por essa fonte de energia". Pensar na yoga como um mero movimento físico equivale a "dizer que o batismo é apenas um exercício subaquático". Escreve Swami Param da Academia Hindu de Yoga Clássica e Ashram de Dharma Yoga em Manahawkin, N.J.

É a deusa Kali que tenta unir praticantes através de Shakti com Shiva por meio de yoga. Em seu templo, à saída de Nova Deli, vi o ódio "auto-manifestado" hediondo: uma pedra com olhos estranhos e com um beijo e coberto de limo amarelo e comida coalhada. No hinduísmo, os ídolos estão "acordados". Eles estão vestidos. Eles são alimentados. E eles são colocados para dormir. Fui parte de centenas dessas cerimônias. Com mais de cinco milhões de leitores, o Yoga Journal é a revista de yoga mais vendida do mundo. Em um momento revelador sobre a superioridade do yoga como psicoterapia, o Yoga Journal revelou a filosofia hindu por trás da prática:

"Da perspectiva yóguica, todos os seres humanos são 'nascidos divinos' e cada ser humano tem no seu núcleo uma alma (atman) que habita eternamente na realidade imutável, infinita e penetrante (brahman). Na afirmação clássica de Patanjali sobre essa visão... já somos o que buscamos. Nós somos deus disfarçados. Nós já somos inerentemente perfeitos, e temos o potencial em cada momento para despertar para essa natureza verdadeira, desperta e iluminada".

Os professores e os alunos geralmente se cumprimentam com o "namaste" sânscrito, o que significa: "Eu honro a Divindade dentro de você". Esta é uma afirmação do panteísmo e da negação do Deus verdadeiro revelado na Bíblia. As saudações ao sol, ou Surya Namaskara, originaram-se com a adoração da divindade solar hindu Surya. Na hagiografia e na iconografia da Igreja, veneramos santos: pessoas reais que viveram justamente diante de Deus e participaram e continuam a participar de Sua luz e amor, pedindo suas intercessões. Ídolos, por outro lado, escreve o Pe. Michael Pomazansky, "são as imagens de deuses falsos, e a adoração deles foi uma adoração de demônios, ou de seres imaginários que não têm existência; e, portanto, em essência, é uma adoração dos próprios objetos sem vida".

Eu vi swamis — neste país, na América — transmitindo esta energia demoníaca apenas olhando nos olhos de uma pessoa. E se alguém está aberto a ela, o corpo pode agitar e vibrar como um brinquedo de enrolamento de lata. E, no entanto, quando chegou a hora de receber essa energia amaldiçoada através de Shaktipat, um medo inacreditável me lavou como água fria e eletrificada, então levantei meu escudo e espada: comecei a dizer a oração de Jesus. Glória a Deus! Essa horrível presença foi desviada pelo Nome de Jesus. Devemos lembrar, como escreve São Paulo: Não lutamos contra a carne e o sangue, mas contra os principados, contra os poderes, contra os governantes das trevas desta época, contra as hostes espirituais da iniqüidade nos lugares celestiais. Com essa oração como meu escudo e espada, nadei de volta para Cristo. Saí do outro lado do país. Eu dei um passo na casa do meu pai.

Como o yoga está conectado à Ortodoxia?

O Yoga é uma prática psicossomática, uma interação entre mente, corpo e espírito(s). Devemos lembrar que a palavra "ioga" significa "jugo", como a trincheira de madeira presa sobre os pescoços de animais ligados ao arado. São Paulo nos avisa, não vos prendais a um jugo desigual com os incrédulos. Porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem luz com a escuridão? O Yoga não é bíblico, nem faz parte da Sagrada Tradição da nossa Igreja. Tudo o que procuramos, tudo, pode ser encontrado dentro e através da Igreja Ortodoxa. Então, o que queremos com o yoga?

É importante saber que, no yoga, bem como em muitas escolas místicas, luzes estranhas podem acompanhar os praticantes, mas essas são muitas vezes de demônios ou criações da mente, pois o próprio Satanás se transforma em um anjo de luz. Muitos têm e estão seguindo os "fogos de artifício espirituais" da chamada Nova Era. É claro que esta não é a luz incriada experimentada por Moisés e os discípulos no Monte Tabor. Não é a Luz Divina que São Gregório Palamas defendia no século 14 contra escolástica ocidental. O conhecimento direto de Deus é possível e a experiência direta, mas o conhecimento e a experiência do mal também estão certamente disponíveis. Temos vontade de escolher quem e o que procuramos. Isso, é claro, requer discernimento e testes, onde a responsabilidade perante um padre experiente ou ancião é absolutamente necessária. Indispensável, também, é uma participação sincera nos Mistérios da Igreja. Observamos melhor os mistérios dos nossos corações em vez de entreter essas imaginações em nossas cabeça.

Além disso, algo deve ser dito em relação à alegação de que formas "pop" de yoga ginástica não representam perigo ou ameaça para um praticante. Alguém que detém tal opinião é ignorante, ou escolhe ignorar os muitos avisos que aparecem nos manuais de yoga orientais sobre o Hatha Yoga que é praticado em tais aulas. O instrutor está ciente dessas advertências e é capaz de garantir que nenhum dano venha ao aluno?

Em seu livro Seven Schools of Yoga, Ernest Wood começa sua descrição de Hatha yoga, afirmando: "Não devo me referir a nenhuma dessas práticas de Hatha Yoga sem predecer um aviso severo. Muitas pessoas trouxeram sobre si mesmas doenças incuráveis e até mesmo loucura, praticando-as sem fornecer as condições adequadas do corpo e da mente. Os livros de yoga estão cheios de tais advertências... Por exemplo, o Gheranda Samhita anuncia que, se alguém começar as práticas em clima quente, frio ou chuvoso, as doenças serão contraídas, e também se não houver moderação na dieta, apenas metade do estômago deve ser preenchido com alimentos sólidos... . O Hatha Yoga Pradipika afirma que o controle da respiração deve ser trazido muito gradualmente, 'como leões, elefantes e tigres são domesticados', ou 'o experimentador será morto', e por qualquer erro que surja tosse, asma, cabeça, olho e dores nas orelhas e muitas outras doenças". Wood conclui seu aviso sobre a postura e a respiração do yoga dizendo: "Eu gostaria de deixar claro que não estou recomendando essas práticas, pois considero que todos os Hatha Yogas são extremamente perigosos".

Se um cristão ortodoxo quer exercitar, ele ou ela pode nadar, correr, caminhar, fazer exercícios de alongamento ou aeróbica. Estas são alternativas seguras para o yoga. Também podemos oferecer prostrações diante de Deus. A Igreja não quer que nenhum de nós seja insalubre ou infeliz. Devemos confiar nas prescrições da nossa Mãe, a Igreja, e segui-las da melhor forma de acordo com a nossa capacidade, como a graça de Deus permite. Ninguém deve tentar prolongar a vida do corpo à custa da alma.

Acima de tudo, não devemos confiar em nosso próprio julgamento. Devemos prestar contas a alguém. "Confie no Senhor de todo o seu coração e não se apóie em seu próprio entendimento." (Provérbios 3:5)

Como cristãos ortodoxos, sabemos que as ações de nossos corpos, como postrações ou o sinal da Cruz, têm relação com o estado da nossa alma diante do Deus verdadeiro. Por que nós copiaríamos ações corporais que durante séculos foram diretamente relacionadas ao culto de demônios? Tais ações podem ter sérias conseqüências tanto para a nossa alma quanto para o corpo que pertencem a Cristo.

Que possamos ser sábios como serpentes e inofensivos como pombas.


Tradução: Felipe Rotta

sexta-feira, 28 de julho de 2017

São Gregório Palamas como um Modelo para as nossas vidas (Pe. George Papavarnavas)

São Gregório Palamas, Arcebispo de Tessalônica, nasceu em Constantinopla e viveu no século XIV. Ele veio de uma família nobre e piedosa. Seu pai Constantino era membro do Senado imperial. Ele era muito piedoso e tinha uma oração noética ininterrupta. Ele se associou com pessoas santas, ascéticas e monges desde a infância de seus filhos. Toda a família confessava o mesmo pai espiritual. Ele deixou essa vida terrena quando Gregório tinha apenas sete anos de idade. Enquanto ele estava morrendo, sua esposa pediu que ele pedisse ao imperador que colocasse sob ele o cuidado de seus filhos, mas ele respondeu que pediria à Rainha do Céu para colocá-los sob sua proteção. Em verdade, a Panaghia protegeu São Gregório ao longo de sua vida. Sua proteção estava em tal nível, que o santo, antes de começar a estudar, se ajoelhava três vezes perante o ícone dela em oração. Quando ele fez isso, ele conseguiu reter o que ele leu. Por isso ele nunca esquecia de orar, pois quando esquecia, não conseguia lembrar ou recitar o que havia estudado. Sua mãe teve uma vida semelhante ao seu pai.

São Gregório se destacou em sua educação, o que fez o imperador lhe colocar num lugar importante no palácio. No entanto, ele tinha um desejo de uma vida espiritual superior, e aos dezoito anos partiu para a Montanha Santa. Ele amava o silêncio e vivia uma vida ascética no Mosteiro da Grande Lavra. Constantemente ele rezava dizendo: "Senhor Jesus Cristo, ilumine as minhas trevas. Santíssima Theotokos, ilumina as minhas trevas". Ele suplicou que ela fosse iluminada, e em verdade ele alcançou a iluminação e a Theosis. É por isso que sua teologia é empírica e, quando dada a ocasião, ele a divulgou.





Naquele tempo, o herege Barlaão ensinou que as energias de Deus são criadas e que o homem é incapaz de ver Deus, pois sua essência é incognoscível; que o Divino é compreendido pela razão, e é por isso que os filósofos são maiores que os profetas. Ele, com tamanha desonra, zombou dos monges que praticavam a oração noética. São Gregório Palamas refutou esses ensinamentos heréticos e indicou o verdadeiro caminho para conhecer a Deus. Naquele tempo, a existência de um teólogo temente a Deus com a estatura de São Gregório Palamas foi uma grande benção, pois por ele a fé não foi alterada. E sabemos muito bem que, quando a fé é alterada, a maneira correta de curar as pessoas é perdida e coloca a nossa salvação em jogo.

Os seus principais ensinamentos são os seguintes:

Primeiro, as energias de Deus são incriadas, bem como a Sua essência. O homem criado não pode participar da essência de Deus, mas pode participar de Suas energias, isto é, podemos conhecer Deus e ver Sua Luz incriada.

Em segundo lugar, a Teologia Ortodoxa não é racional, mas empírica, e não pode ser adquirida somente por meio do estudo. Os livros certamente ajudam, mas o verdadeiro conhecimento de Deus é existencial. Deus revela-se como Luz para o homem purificado, e "através do Espírito Santo eles conhecem Deus e podem falar sobre Ele". Os filósofos falam reflexivamente através da razão e da imaginação, razão pela qual não é possível para eles serem superiores aos profetas, que vêem a Deus e falam Dele através do Espírito Santo.

Em terceiro lugar, uma pessoa que atinge a Theoria (visão) de Deus é aquela que teve seu coração purificado das paixões e sua mente foi iluminada. O caminho da vida através do qual se alcança a purificação e a iluminação é chamado Hesicasmo (quietude). Os termos quietude e vida hesicasta não significam simplesmente que alguém viva em um lugar calmo. Pode-se viver no lugar mais calmo e ainda não ficar calado, porque as paixões e as imagens mentais podem nos deixar loucos. O Hesicasmo é principalmente um estado interno e é chamado pelos Santos Padres de ciência do logismoi. A vida hesicasta é, de fato, a vida evangélica, e com a orientação de um pai espiritual discernidor, todos poderiam experimentá-la. "Somente através da quietude pode-se adquirir o conhecimento de Deus e se tornar um teólogo ortodoxo. Esta é a diferença entre a Teologia Ortodoxa e a Teologia Escolástica" (Sua Eminência Metropolita Hierotheos de Nafpaktos, Orthodoxy Monasticism).

Em nosso tempo, que é muito semelhante ao de São Gregório, os ventos do anti-hesicasmo estão soprando, razão pela qual o ensino do modo de vida hesicasta é ainda mais oportuno nos dias de hoje. Por meio da quietude, uma pessoa adquire o autoconhecimento, o que os leva ao arrependimento, à humildade a ao conhecimento de Deus. As pessoas da contemporaneidade negam teimosamente a se confrontarem. A quietude os aterroriza, e é por isso que eles tendem a ficar sozinhos por um curto período de tempo, eles ligam a televisão e o rádio com anseio de companhia humana. Sem a presença da Graça Divina incriada, que ilumina a plenitude interior e traz significado à vida, uma pessoa sente uma solidão insuportável, mesmo que seja cercada por milhares de pessoas.


Tradução: Felipe Rotta

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O Papismo como o mais velho Protestantismo (São Justino Popovich)

Na Europa Ocidental, o Cristianismo gradualmente se metamorfoseou no Humanismo. Durante um longo período de tempo e com perseverança, o Divino-Humano tem diminuído constantemente. Ele foi mudado, Ele foi reduzido e, finalmente, reduzido a um mero homem: ao homem "infalível" em Roma e aos homens igualmente "infalíveis" em Londres e Berlim. Foi assim que surgiu o Papado, despojando Cristo de tudo, assim como o Protestantismo fez de maneira semelhante, perguntando pouco a Cristo e muitas vezes ao nada.

No Papado e no Protestantismo, o homem substituiu o Cristo Divino-Humano, tanto pelo valor mais alto como pelo critério mais elevado.

Foram realizadas mudanças minuciosas e deploráveis no trabalho e nos ensinamentos do Divino-Humano. O Papado tem perseguido constantemente e persistentemente a substituição do Homem Divino por um homem mortal, até que finalmente, em seu dogma que define a infalibilidade de (um mero mortal), o Papa, o Cristo Divino-Humano foi de uma vez por todas substituído por um efêmero Homem "infalível"; porque graças a este dogma, o papa foi decisivo e claramente pronunciado como algo superior — não apenas para todos os homens, mas até para os Santos Apóstolos, para os Santos Padres e para os sagrados Concílios Ecumênicos. Com este tipo de desvio do Cristo Divino-Humano, da Igreja ecumênica que é o organismo do Deus-Homem, o Papado superou até mesmo Lutero, o fundador do Protestantismo.

Portanto, o primeiro protesto radical que foi expresso em nome do Humanismo, mas contra o Cristo Divino-Humano e seu organismo Divino-Humano — a Igreja — deve ser buscado no Papado, e não no Luteranismo. O Papado é de fato a primeira e a mais antiga forma de protestantismo.

O Papismo, de fato, é o Protestantismo mais radical, porque transferiu o fundamento do Cristianismo do Deus-homem eterno para o homem efêmero. E proclamou isso como o dogma supremo, que significa: o valor primordial, a medida suprema de todos os seres e coisas do mundo. E os protestantes simplesmente aceitaram este dogma em sua essência, e o ampliaram em terríveis magnitudes e detalhes. Essencialmente, o Protestantismo não é senão um Papismo geralmente aplicado. Pois no Protestantismo, o princípio fundamental do Papismo é trazido à vida por cada homem individualmente. Depois do exemplo do homem infalível em Roma, cada protestante é um homem clonado infalível, porque ele finge infalibilidade pessoal em matéria de fé. Pode-se dizer: o Protestantismo é um Papismo vulgarizado, apenas desprovido de Mistério (isto é, sacramentalidade), autoridade e poder.

Através da redução do Cristianismo, com todas as suas qualidades eternas do Deus-Homem, para o homem, o Cristianismo ocidental foi transformado em Humanismo. Isso pode parecer paradoxal, mas é verdade na sua realidade histórica irresistível e inoperável. Porque o Cristianismo ocidental é, em sua essência, o Humanismo mais promissor; e porque proclamou o homem como infalível e transformou a religião do Deus-Homem em uma religião humanista. E isso é assim, é mostrado pelo fato de que o Deus-Homem foi conduzido ao céu, enquanto seu lugar na terra foi preenchido com o seu substituto, "Vicarius Christi" — o Papa. Que tragédia ilógica: estabelecer uma substituição para o Deus onipresente e o Senhor Cristo! Mas esta concepção ilógica foi encarnada no Cristianismo ocidental: a Igreja se transformou em um Estado, o papa se tornou um governante, os bispos foram proclamados príncipes, os sacerdotes se tornaram líderes de partidos clericais, os fiéis foram proclamados subordinados papais. O Evangelho foi substituído pela compilação do Direito Canônico do Vaticano; a moral e o amor do Evangelho foram substituídos por casuísmo, jesuitismo e a "Santa" Inquisição. O que tudo isso desencadeou? Na remoção sistemática e destruição de tudo o que não se inclina para o papa, mesmo com conversões forçadas à fé papal e a queima dos pecadores para a glória dos mansos e do Senhor Jesus!

Não há dúvida de que todos esses fatos convergem para uma conclusão irresistivelmente lógica: no Ocidente não há Igreja e nenhum Deus-Homem, e é por isso que não há uma verdadeira sociedade fundada sob os valores do Deus-Homem em que os homens são irmãos mortais e imortais. O Cristianismo humanista é, na verdade, o protesto e o levante mais ativo contra Cristo e todos os valores e normas do Evangelho. E até aqui é evidente a tendência favorita do homem europeu, reduzir tudo para o homem como o valor fundamental e a medida fundamental. E por trás disso está um ídolo: Menschliches Allzumenschliches [Humano, Demasiado Humano]. Com a redução do Cristianismo para o Humanismo, o Cristianismo tem sido, sem dúvida, simplificado, mas também ao mesmo tempo destruído! Agora que o "gleischaltung" do Cristianismo com o Humanismo foi realizado, alguns na Europa estão buscando um retorno ao Deus-Homem Cristo. No entanto, os gritos dos indivíduos no mundo protestante — "Zuruck zum Jesus! De volta a Jesus!" — são gritos vazios na noite escura do "Cristianismo" humanista, que abandonou os valores e as medidas de Deus-Homem e agora está sufocado em desespero e impotência. Enquanto aos séculos passados?? Reverberá as amargas palavras do melancólico profeta de Deus, Jeremias: "Maldito seja o homem que confia no homem!"

Numa perspectiva histórica mais ampla, o dogma ocidental sobre a infalibilidade do homem não é outra coisa senão uma tentativa de reviver e imortalizar o Humanismo moribundo. É a última transformação e a ascensão final do Humanismo. Após o Iluminismo racionalista do século XVIII e o Positivismo de uma visão estreita do século XIX, nada mais foi possível para o Humanismo europeu do que desmoronar em sua própria impotência e contradições. Mas naquele momento trágico, o Humanismo religioso veio em sua ajuda com seu dogma sobre a infalibilidade do homem salvou o Humanismo europeu da morte iminente. E, embora dogmatizado, o Humanismo cristão ocidental não podia deixar de absorver todas as contradições fatais do Humanismo europeu, que estão unidos em um único desejo: exilar o Deus-Homem da terra. Porque a coisa mais importante para o Humanismo é que o homem seja o maior valor e a maior medida. Homem, não o Deus-Homem.

De acordo com nossa própria vivência na Ortodoxia: o Cristianismo é apenas o Cristianismo do Deus-Homem, através da noção de Deus-Homem e dos caminhos que levam ao Deus-Homem. Essa é a verdade fundamental. Somente Deus-Homem possui o maior valor e a maior medida. Se Cristo não é o Deus-Homem, então ele é a fraude mais impudente, porque ele se proclamou como Deus e Senhor. Mas a realidade histórica do Evangelho mostra e prova de forma irrefutável que Jesus Cristo está em tudo e em todas as coisas, o Deus-Homem perfeito. Portanto, não se pode ser cristão sem crença em Cristo como Deus-Homem e na Igreja como Seu Corpo, no qual Ele deixou toda sua Pessoa Miraculosa. O poder salvador e vivo da Igreja de Cristo está na personalidade eternamente viva e presente de Deus-Homem. Qualquer substituição do Deus-Homem por um homem e qualquer desvio do Cristianismo para escolher apenas o que agrada a preferência e a razão individual de um homem, transforma o Cristianismo em Humanismo superficial e impotente. Somente pelo poder de Deus-Homem que o Cristianismo é o sal da terra, o sal que salva o homem de toda a podridão no pecado e no mal. Se dissolve em vários humanismos, o Cristianismo torna-se soso, torna-se sal que tornou-se plano, inútil, apto a ser jogado e pisado.

Qualquer tendência ou tentativa de um "gleischaltung" do Cristianismo com o espírito dos tempos, com movimentos efêmeros e regimes de certos períodos históricos, retira do Cristianismo o valor específico que o torna a religião singular de Deus-Homem no mundo. Na filosofia ortodoxa da sociedade, a regra acima de todas as regras é esta: não adapte Cristo para o espírito dos tempos, mas adapte o espírito dos tempos ao espírito da eternidade de Cristo — a humanidade divina de Cristo. Somente dessa maneira, a Igreja pode preservar a personalidade vivificante e insubstituível do Deus-Homem Cristo e continuar sendo uma sociedade de Deus-Homem, na qual as pessoas confraternizam e vivem com a ajuda do amor e da justiça divina, a oração e o jejum, a mansidão e humildade, bondade e sabedoria, caridade e fé, amor de Deus e amor ao irmão e todas as outras virtudes evangélicas.

De acordo com a filosofia da vida e do homem de Deus-Homem, o homem, a sociedade, a Nação e o Estado devem acomodar-se à Igreja como o ideal eterno, mas a Igreja nunca deve acomodar-se a eles, e muito menos se submeter a eles. Uma nação vale apenas, na medida em que vive as virtudes do Evangelho e encarna em sua história os valores de Deus-Homem. O que se aplica à Nação, também se aplica ao Estado. O objetivo da Nação como um todo é o mesmo que o objetivo de cada pessoa: encarnar em si mesmo a justiça evangélica, o amor, a santidade; para se tornar um homem do "povo sagrado" — "povo de Deus" — que, na sua história, proclama os valores e as virtudes divinas (1 Pedro 2: 9-10; 1: 15-16).

Eles nos perguntarão: onde estão os frutos concretos desta sociedade de Deus-Homem? Como foi que precisamente no campo da radiação da Ortodoxia surgiu a aparência do "secularismo mais radical da história humana"? (Joseph Piper). Não existe também um "Humanismo" oriental (por ex. Cesaro-papismo, etc.)? O sucesso do Humanismo social ateu sobre o solo da Ortodoxia: isso não é prova da "inabilidade da ortodoxia" para resolver os problemas sociais mais elementares?

É um fato que este mundo está no mal e no pecado. A redução de tudo para o homem é, de fato, a atmosfera em que a natureza humana pecadora e o homem em geral — não importa onde ele esteja localizado — vive e respira, e algo para o qual se esforçam. Portanto, não é de admirar que as marés dessa pecaminosidade, assim como as marés dos venenos pseudo-cristãos europeus, de vez em quando também arrastem os povos ortodoxos. No entanto, uma coisa é irrefutavelmente verdadeira: a Igreja Ortodoxa nunca dogmatizou eclesiologicamente qualquer tipo de Humanismo, mesmo se estivermos falando de Cesaro-papismo ou de qualquer outro "ismo". Com a força de sua verdadeira e incorrupta veracidade evangélica, e através do seu constante apelo ao arrependimento em relação a tudo o que não é de Deus-Homem, preservou, pelo poder do Espírito Santo, a sabedoria e a castidade de seu coração e sua alma. E por isso, permaneceu e continua a ser o "sal" da terra, do homem e da sociedade. Por outro lado, a tragédia do Cristianismo ocidental reside precisamente no fato de que, ao mudar a imagem do Deus-Homem, ou ao negá-la, tentou introduzir mais uma vez o Humanismo demonizado, tão característico da natureza humana pecaminosa, aonde? No coração do próprio organismo Deus-Homem — a Igreja, cuja essência reside precisamente na libertação do homem. E através dele em todas as regiões, para todas as pessoas e sociedades, proclamando-a como o dogma supremo, como o dogma universal. Com isso, o orgulho intelectual demonizado do homem, escondido sob o manto da Igreja, torna-se o dogma de uma fé sem a qual não há salvação! É horrível pensar nisso: o único "ofício de salvação" e adoração a Deus-Homem neste mundo, se transformou gradualmente em um "ofício" demonizado da violência sobre a consciência e desumanização! Um ofício de desfiguração de Deus e do homem através da desfiguração do Deus-Homem!

A Igreja Ortodoxa não proclamou nenhum veneno, nenhum pecado, nenhum Humanismo, nenhum sistema social terreno como dogma — nem através de concílios, nem através do "Corpo" da Igreja Ecumênica. Enquanto o ocidente, infelizmente, não fez nada além disso. A última prova: o Concílio Vaticano II.

A Fé Ortodoxa: nela, o arrependimento é uma virtude santa necessária; e sempre exige arrependimento. No Ocidente: a fé pseudo-cristã no homem não exige arrependimento; pelo contrário, "clericamente" obriga a manter a homo-idolização fatal ao homem com seus humanismos pseudo-cristãos, infalibilidade e heresias, e considera com orgulho que, em nenhum caso, são essas coisas pelas quais deve se arrepender.

O Humanismo social ateísta contemporâneo — ideológica e metodologicamente — é em tudo um fruto e uma invenção da Europa pseudo-cristã, casada com nossa própria pecaminosidade. Eles nos perguntam: como chegou no solo da ortodoxia? É Deus tentando a resistência dos justos, visitando os filhos pelos pecados de seus pais e anunciando a força de Sua Igreja, levando-a através do fogo e da água. Porque, de acordo com as palavras do sábio em Deus, Macário do Egito, esse é o único caminho do cristianismo verdadeiro: "Onde quer que o Espírito Santo esteja, segue-se, como uma sombra, perseguição e batalha. É necessário que a verdade seja perseguida". Quais são, por outro lado, os frutos da sociedade fundada sobre os valores do Deus-Homem [a Igreja]? - Santos, mártires e confessores. Esse é seu objetivo, esse é o seu significado, que é a prova de sua força indestrutível. Não livros e bibliotecas, complexos e cidades — todas as coisas que estão aqui hoje e amanhã. Os vários humanismos pseudo-cristãos completam o mundo com livros, enquanto a Ortodoxia o enche com o que é Sagrado. Milhares e centenas de milhares, mesmo milhões de mártires e recentemente martirizados, caíram pela Fé Ortodoxa — há o fruto da sociedade ancorada no Deus-Homem.

Mas e no Ocidente? Eles nem conhecem a Igreja, nem o caminho para sair da desesperança; tudo está afundado na idolatria perdida da alma, apaixonada pelo prazer, pelo amor e pelo amor pela luxúria. Daí, na Europa, vemos o renascimento do politeísmo. Os "Falsos Cristos", deuses falsos que inundaram a Europa e são exportados para todos os mercados do mundo, têm por tarefa principal a matança da alma no homem — esse tesouro único do homem em todos os mundos e em dessa forma impossibilita a possibilidade de uma sociedade genuína.

Ao escrever isso, não estamos escrevendo a história da Europa, suas virtudes e falhas, nem a história das pseudo-igrejas européias. Nós estamos apenas arquivando a enteléquia de sua ontologia, descendo na espinha do orgulho intelectual da sociedade européia, em seu subterrâneo demoníaco, onde são suas fontes negras, cuja água ameaça envenenar o mundo. Este não é um julgamento da Europa, mas um chamado de oração sincero para o caminho solitário da salvação, através do arrependimento.

São Justino Popovich, The Orthodox Church and Ecumenism.





Protestantismo? É o filho leal do Papismo. Passou de uma heresia para outra ao longo dos séculos por causa de sua escolástica racionalista, e está continuamente se afogando nos vários venenos de seus erros heréticos. Além disso, a soberba papal e a tolice "infalível" reinam absolutamente dentro dela, arruinando as almas de seus fiéis. Em primeiro lugar, cada protestante é um papa independente quando se trata de questões de fé. Isso sempre leva de uma morte espiritual a outra; e não há fim para este "morrer", uma vez que uma pessoa pode sofrer inúmeras mortes espirituais (em uma vida).

Uma vez que as coisas são assim, não há saída para este impasse do ecumenismo papista-protestante com sua pseudo-igreja e seu pseudo-cristianismo sem arrependimento sincero perante o Deus-Homem Cristo e Sua Igreja Católica Ortodoxa. O arrependimento é o remédio para cada pecado, a medicina dada ao homem pelo único Amigo do homem (Cristo).

São Justino Popovich, "Ecumenismo Humanista", Fé Ortodoxa e a Vida em Cristo.


Tradução: Felipe Rotta

Explicação da Trindade de Santo Andrei Rublev (Pe. Gregory Krug)

Andrei Rublev nasceu em 1360. Pouco se sabe sobre sua vida, no entanto, seu nome está associado à história da escola artística de Moscou. Muitas de suas obras, assim como as de seus discípulos e seguidores, se originaram em Moscou ou em cidades e mosteiros ao redor. Seus trabalhos podem ser vistos tanto na Galeria Tretyakov em Moscou quanto no Museu Russo em São Petersburgo. Ele morreu em 29 de janeiro de 1430 e é enterrado no mosteiro de Andronikov em Moscou.

Um ícone não é uma pintura no sentido em que normalmente consideramos peças de arte, embora seja uma imagem pintada. Um ícone é uma janela das realidades óbvias da vida cotidiana para o reino de Deus. Toda pincelada tem um significado santificado por séculos de oração. Os ícones são imagens religiosas que pairam entre dois mundos, colocando em cores e formas o que não pode ser entendido pelo intelecto. Renderizando o invisível visível. Os ícones são equivalentes visuais das Escrituras Divinas. Nem toda pintura religiosa pode ser considerada um ícone. Os ícones são imagens religiosas que transmitem o significado espiritual interno do assunto. O Filho de Deus veio restaurar a imagem divina na forma humana. A iconografia é o testemunho gráfico desta restauração.

Na Rússia medieval, todos os ícones recém-pintados foram revestidos com uma camada de um óleo de secagem especial para proteger a pintura contra danos mecânicos e para conferir maior intensidade às cores. Infelizmente, com o passar dos tempos, o ícone tornou-se óleo escurecido, obscurecendo as cores originais e eventualmente tornando-o completamente preto. Por esse motivo, o ícone teve que ser restaurado. A Trindade foi pintada com tintas frescas dentro de seus contornos levemente discerníveis. Este procedimento foi repetido várias vezes. Na virada do século XX, nada restava da obra-prima de Rublev além das lembranças arrebatadoras da antiguidade. A primeira tentativa de remover falhas posteriores do ícone do século XV foi feita em 1905. No final de 1918, o trabalho de restauração continuou, alguns contornos que o cercavam foram removidos e só desde então a aparência do ícone se aproximou do original.

As palavras próximo do são usadas porque, após cinco séculos, a pintura do ícone acabou sendo gravemente danificada. O fundo dourado estava perdido, a árvore foi pintada novamente dentro dos contornos antigos e as camadas superiores de tinta foram lavadas. Mesmo o chão foi parcialmente perturbado e as fissuras apareceram, os contornos das cabeças dos Anjos foram parcialmente alterados. Não obstante, mesmo em seu estado atual, a Trindade continua a ser um dos melhores de todos os ícones russos.

De acordo com as interpretações teológicas cujos autores associaram os eventos do Antigo Testamento com eventos do Novo Testamento, esses Anjos eram as três Pessoas da Trindade: Deus Pai, Deus Filho e Espírito Santo. Embora revelando uma afinidade iconográfica direta com esse tipo de representação, a Trindade, pintada por Rublev, tem seus próprios recursos que trazem uma nova qualidade e um novo conteúdo. No ícone de Rublev, observamos pela primeira vez que todos os três Anjos são iguais. Este ícone sozinho se conformava às regras estritas da doutrina ortodoxa da Trindade.

Não é fortuito que percebamos a Trindade de Andrei Rublev como a maior conquista da arte russa. Coroando uma longa carreira artística de um único mestre, é também uma encarnação do pensamento criativo de várias gerações. Assim como qualquer outro artista medieval, Rublev valorizou a tradição e o esforço coletivo





Este ícone leva como assunto a misteriosa história em que Abraão recebe três visitantes enquanto ele acampa pelo carvalho de Mamre. Ele serve uma refeição. À medida que a conversa progride, ele parece estar falando diretamente a Deus, como se esses anjos fossem de alguma forma uma metáfora para as três pessoas da Trindade. Na representação de Rublev da cena, as três figuras com asas de ouro estão sentadas em torno de uma mesa branca na qual uma tigela dourada, com cálice, contém um cordeiro assado. No fundo da imagem, uma casa pode ser vista no canto superior esquerdo e uma árvore no centro. Menos distintamente, um monte rochoso fica no canto superior direito. A composição é um grande círculo ao redor da mesa, focalizando a atenção no cálice-tigela no centro, o que lembra o espectador inescapável de um altar em comunhão.

Em um nível, esta imagem mostra três anjos sentados sob a árvore de Abraão, mas em outro é uma expressão visual do que a Trindade significa, qual é a natureza de Deus e como nos aproximamos dele. Ao ler a imagem da esquerda para a direita, vemos o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Rublev dá a cada pessoa da trindade roupas diferentes. À direita, o Espírito Santo tem uma peça de roupa do azul claro do céu, envolto com um manto de um verde frágil. Assim, o Espírito da criação se move no céu e na água, respira no céu e na terra. Todos os seres vivos devem sua frescura ao seu toque.

O Filho tem as cores mais profundas; uma grossa roupa pesada do marrom avermelhado da terra e um manto do azul do céu. Em sua pessoa, ele une o céu e a terra, as duas naturezas estão presentes nele, e sobre o ombro direito (o governo estará sobre o ombro dele) há uma faixa de ouro disparada através da peça terrena, à medida que sua divindade impregna e transfigura seu Ser terreno.

O Pai parece usar todas as cores em uma espécie de tecido que muda com a luz, que parece transparente, que não pode ser descrita ou confinada em palavras. E é assim que deveria ser. Ninguém viu o Pai, mas a visão Dele enche o universo.

As asas dos anjos ou pessoas são de ouro. Seus lugares são de ouro. O cálice no centro é ouro e o telhado da casa também. Se eles se sentam, se eles voam, tudo é perfeito, precioso e digno. Em estase, quando não há atividade aparente na parte de Deus, seu caminho é dourado. Quando ele voa, brilha com força e força imparável, o caminho é dourado. E no sacrifício no centro de todas as coisas, seu caminho é dourado.

A luz que brilha ao redor de suas cabeças é branca, pura luz. O ouro não é suficiente para expressar a glória de Deus. Somente a luz fará, e esse mesmo branco se torna a mesa sagrada, o lugar da oferta. Deus é revelado e revelado aqui, no coração, na brancura da luz intocável.

O Pai olha para a frente, levantando a mão em benção ao Filho. É impossível dizer se ele olha para o Filho ou para o cálice sobre a mesa, mas seu gesto expressa um movimento em direção ao Filho. Este é o meu Filho, ouça-o. A mão do Filho aponta, ao redor do círculo, para o Espírito. Nesta matriz simples, vemos o movimento da vida para nós, o Pai envia o Filho, o Filho envia o Espírito. A vida flui no sentido horário em torno do círculo. E nós completamos o círculo. Como o Pai envia o Filho, como o Filho envia o Espírito Santo, então somos convidados e enviados para completar o círculo da Divindade com a nossa resposta. E respondemos ao movimento do Espírito que nos aponta para Jesus. E ele nos mostra o Pai em quem todas as coisas se concretizam. Este é o movimento anti-horário de nossas vidas, em resposta ao movimento de Deus. E ao longo do caminho estão os três sinais no topo da imagem, a colina, a árvore e a casa.

O Espírito nos toca, mesmo que não saibamos quem é que está nos tocando. Ele nos conduz por maneiras que talvez não tenhamos consciência, no alto da oração. Pode ser íngreme e rochoso, mas o Deus viajando percorre o caminho. Isso leva a Jesus, o Filho de Deus, e conduz a uma árvore. Uma grande árvore no calor do dia espalha a sua sombra. É um lugar de segurança, um lugar de paz, um lugar onde começamos a descobrir as possibilidades de quem podemos ser. Não é uma árvore comum. Está acima do Filho na imagem, e fica acima da mesa do altar onde o cordeiro fica dentro do cálice. Por causa do sacrifício, essa árvore cresce. A árvore da morte foi transformada em uma árvore de vida para nós.

A árvore está a caminho da casa. Sobre a cabeça do Pai é a casa do Pai. É o objetivo da nossa jornada. É o começo e o fim de nossas vidas. Seu telhado é dourado. Sua porta está sempre aberta para o viajante. Tem uma torre, e sua janela está sempre aberta para que o Pai possa escanear incessantemente as estradas para um vislumbre de um pródigo que retorna.

Cada pessoa segura um cetro, que de tão longo, corta a imagem em seções. Por que os seres com asas, que podem voar como a luz, precisam do cetro para sua jornada? Porque estamos em uma viagem e essas três pessoas entram em nossa jornada, nosso movimento lento em toda a face da Terra. Seus pés estão cansados de viajar. Deus está conosco no cansaço da nossa estrada humana. O viajante Deus se senta em nossas mesas comuns e as espalha com um pingo de céu.

A mesa ou altar está no centro da imagem. É ao mesmo tempo o lugar da hospitalidade de Abraão para os anjos, e o lugar de hospitalidade de Deus para nós. Essa ambiguidade é o coração da comunhão, no coração do culto. Assim que abrimos um lugar sagrado para que Deus entre, para que Deus seja recebido e adorado, ele se torna seu lugar. Somos nós que somos bem-vindos, somos nós quem devemos tirar nossos sapatos por causa da santidade do chão.

Contido no centro do círculo, um sinal de morte. O cordeiro, morto. A refeição sagrada trazida à mesa. Todos os pontos para este espaço, esse mistério: dentro dele, tudo sobre Deus é resumido e expresso, seu poder, sua glória e, acima de tudo, seu amor. E é expresso de tal forma que podemos alcançá-lo. Pois o espaço desta mesa está do nosso lado. Somos convidados a juntar-se ao grupo à mesa e receber o coração do seu ser para nós mesmos.

Somos convidados a completar o círculo, juntar-se ao ciclo, para completar os movimentos de Deus no mundo por nossa própria resposta. Abaixo do altar, um retângulo marca o lugar sagrado onde as relíquias dos mártires foram mantidas em uma igreja. Encontra-se diante de nós. Convida-nos a entrar na profundidade e intimidade de tudo o que é representado aqui. Venha seguir o Espírito até a colina da oração. Venha, viva na sombra do Filho de Deus, descanse-se sob sua árvore da vida. Venha, viaje para a casa, preparada para você na casa de seu Pai.

A mesa está posta, a porta está aberta. Venha.


Tradução: Felipe Rotta