terça-feira, 31 de outubro de 2017

Pão Eucarístico: Fermentado ou Ázimo? (Pe. John A. Peck)

A partir do século IX, o uso do pão ázimo tornou-se obrigatório no Ocidente, enquanto a Ortodoxia continuou exclusivamente com o pão fermentado. A questão tornou-se divisiva quando as províncias da Itália bizantina — que estavam sob a jurisdição do Patriarca de Constantinopla — foram incorporadas à força na Igreja de Roma após sua invasão pelos exércitos normandos. Neste momento, o uso de pães ázimos foi imposto aos ortodoxos do sul da Itália.







Na Bíblia, o pão ázimo é chamado de "pão ázimo", enquanto o pão fermentado é simplesmente chamado de "pão". Os judeus naquele tempo teriam entendido isso como os primeiros cristãos. Diz que "Ele tomou o pão", o que significa pão fermentado; e os cristãos, sendo primeiro instruídos pelos Apóstolos e depois lendo nos Evangelhos algum tempo depois, implementaram isso.

Na Ceia Mística, é óbvio que Nosso Senhor estava mudando as coisas, ligando a Ceia da Páscoa com a sua realização, a Eucaristia. Uma dessas mudanças, obviamente, estava usando pão fermentado em vez de não fermentado, ou pelo menos levedado, além de não-fermentado. O mundo estava vazio e desprovido de graça diante de Cristo, como é simbolizado pela planicidade dos pães ázimos, mas depois se encheu da glória de Sua Ressurreição, como é simbolizado pelo pão fermentado. Cristo fez a mudança, e a Igreja seguiu sobre ela.

A palavra para os pães ázimos em grego é AZYMOS; seu uso aparece no Novo Testamento grego nove vezes: Mt.26: 17; Mk.14: 1,12; Lc.22: 1,7; Ac.12: 3; 20: 6; 1Cor.5: 7,8. A palavra para o pão fermentado é ARTOS, é usada 97 vezes no Novo Testamento grego. As passagens onde são relevantes para a Ceia Mística são: Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, abençoando-o, o partiu e o deu aos discípulos, dizendo: "Tomai, comei; isto é o meu corpo". - Mt. 26:26; Mk.14: 22; Lc.22: 19; 24: 30,35; 1 Cor.10: 16,17 (duas vezes); 11: 26,27,28.

Em todos esses lugares, os escritores nunca dizem que Jesus tomou AZYMOS e abençoou, eles escrevem que Jesus tomou ARTOS, pão comum geralmente fermentado. Aqui está uma citação do livro "Bread and Liturgy" de George Galavaris: "O mesmo método de cozimento e fornalhas foram utilizados pelos cristãos tanto para o pão de cada dia quanto para o que deveria ser usado na adoração. Deve ficar claro que (ao contrário das práticas hoje no Ocidente) nos séculos cristãos primitivos e em todos os ritos orientais ao longo dos tempos, exceto na igreja armênia, o pão usado para a Igreja não diferiu do pão comum em substância. Desde o início, o pão fermentado foi usado. Mesmo os armênios antes do século VII e os maronitas antes da sua união com Roma no século XII, utilizavam o pão fermentado. A prática de usar pães ázimos para a Eucaristia foi introduzida no Ocidente muito mais tarde. Entre os primeiros escritos estão de de Alcuíno (A.D. 798) e seu discípulo Rabanus Maurus. Depois disso, o pão do altar tomou a luz, em forma de bolacha, feito com ferros de pressão, tão comuns hoje em dia." (Galavaris, Bread and Liturgy, p. 54). A forma adjetiva do azimito foi usada como termo de abuso pelos cristãos ortodoxos contra cristãos do Rito Latino. A Igreja Ortodoxa continuou a antiga prática oriental de usar pão fermentado para o Cordeiro (Hostia 'vítima' em latim) na Eucaristia. Depois de graves disputas teológicas entre Roma e as igrejas do Oriente, o uso latino de pães ázimo para a Eucaristia — um ponto de diferença litúrgica — tornou-se também um ponto de diferença teológica entre os dois e foi uma das várias disputas que levaram eventualmente ao Grande Cisma entre o cristianismo oriental e ocidental em 1054.

Aqui está uma citação de um sacerdote latino e professor de teologia na universidade de Viena chamado Johannes H. Emminghaus:

"No rito latino, o pão para a Eucaristia foi levedado desde o século VIII; isto é, cozido com farinha e água sem fermento. Na última ceia, Cristo provavelmente tomou esse tipo de pão (mazzah), que foi interpretado no memorial da Páscoa como um "pão de aflição", o pão de pastores nômades que não possuíam pátria. Durante o primeiro milênio da história da Igreja, no entanto, era o costume geral, tanto no Oriente como no Ocidente, usar o "pão diário" normal, isto é, o pão fermentado, para a Eucaristia; as Igrejas orientais ainda o usam e geralmente possuem proibições estritas contra o uso de pães ázimos. A Igreja Latina, por sua vez, considera a questão como de pouca importância, já que no Concílio de Florença, que procurou reunir Oriente e Ocidente (1439), a diferença de costume foi simplesmente reconhecida e aceita." (Rev. Johannes H. Emminghaus, A Eucaristia: Essência, Forma, Celebração, página 161).







Aqui está uma citação de um padre jesuíta e professor de teologia na Universidade de Innsbruck:

No Ocidente, várias ordenanças apareceram a partir do século IX, todos exigindo o uso exclusivo de pães ázimos para a Eucaristia. Uma solicitação crescente para o Santíssimo Sacramento e o desejo de empregar apenas o melhor pão, juntamente com várias considerações da Escritura — todos favoreceram esse desenvolvimento. Ainda assim, o novo costume não entrou em moda exclusiva até meados do século XI. Particularmente em Roma, não foi universalmente aceito até a infiltração geral de vários usos do Norte. No Oriente, houve poucas objeções a esse uso nos tempos antigos. Não até as discussões que levaram ao cisma de 1054 tornaram-se uma das principais objeções contra os latinos.

No Concílio de Florença (1439), no entanto, foi definitivamente estabelecido que o Sacramento poderia ser confeccionado em "azimo sive fermentato pane". Portanto, como bem sabemos, os vários grupos de orientais que estão unidos com Roma continuam a usar o tipo de pão tradicional entre eles. (Rev. Joseph A. Jungmann, SJ., A Missa do Rito Romano, vol. II, pág. 34).

Em outras palavras, o uso de pães ázimos veio das florestas da Alemanha.


Tradução: Felipe Rotta.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Um Estudo Patrístico Sobre Mateus 16 (William A. Webster)

Nota do tradutor: o texto a seguir tem como título "The Church Fathers' Interpretation of the Rock on Matthew 16:18 - An Historical Refutation of the Claims of Roman Catholicism (Includes e Critique of 'Jesus, Peter and the Keys')" é um trabalho acadêmico escrito por William Webster que buscou de forma minuciosa o consenso dos Santos Padres e dos teólogos atuais a respeito da interpretação de Mateus 16:18; lembrando que tal consenso também é um fato nas academias entre teólogos e historiadores católicos romanos, protestantes e ortodoxos. Além do título alterado, troquei alguns trechos de lugar por questões de organização. O texto original [em inglês] pode ser lido clicando AQUI. Boa leitura!



Mateus 16:18 é a passagem crítica da Escritura para o estabelecimento das reivindicações de autoridade da Igreja Católica Romana. É sobre a interpretação da rocha e das chaves que repousa toda a estrutura da Igreja de Roma. E o Vaticano claramente declara que sua interpretação de Mateus 16 é aquilo que a Igreja tem mantido desde o início e, portanto, não é um desenvolvimento doutrinário. O Concílio afirmou que sua interpretação foi fundamentada no consentimento unânime dos pais ao dizer que este Concílio Vaticano I possui um consenso de dois mil anos por sua interpretação e ensino. Se propõe especificamente que apenas a Igreja Católica Romana tem autoridade para interpretar as escrituras e que é ilegal interpretá-la de qualquer forma contrária ao que se chama de "consentimento unânime dos padres". Este princípio não significa que todo padre concorda com uma interpretação particular das escrituras, mas isso significa que há um consenso geral de interpretação, e o Vaticano I reivindica ser consistente com esse consenso. Isto é muito importante para estabelecer porque tem uma influência direta sobre a reivindicação da Igreja Romana, a de ser a verdadeira Igreja estabelecida por Cristo, inalterada desde o início.

Os apologistas católicos romanos, em um esforço para fundamentar as reivindicações do Vaticano I, fazem apelos a certas declarações de Pais da Igreja que afirmam que dão evidências inequívocas de uma crença no primado papal na Igreja primitiva. Em síntese, os argumentos podem ser resumidos da seguinte forma:

- Os Pais da Igreja muitas vezes falam em uma linguagem elevada ao se referir ao apóstolo Pedro, implicando um primado pessoal;
- Numerosos Pais interpretam a pedra de Mateus 16 como a pessoa de Pedro;
- Enquanto alguns dos Pais interpretam a rocha como a confissão de fé de Pedro, eles não separam a confissão de Pedro de sua pessoa;
- Os Pais se referem aos bispos de Roma como sucessores de Pedro.

Os apologistas romanos freqüentemente recorreram ao uso de declarações selecionadas dos principais padres da Igreja, interpretando-os como favoráveis à primazia papal. Um exemplo deste tipo de argumentação pode ser visto nas seguintes referências aos escritos de Cipriano, Ambrósio e Agostinho por um apologista católico romano:

São Cipriano de Cartago (D. 258 dC) em sua carta a Cornélio de Roma (C. 251 dC) fala da Igreja de Roma como a "cátedra de Pedro" (cathedra Petri) e "a Igreja principal em que a unidade sacerdotal tem sua fonte" (Ep. 59, 14). Santo Ambrósio (d. 397 A.D.) afirma que "onde Pedro está, está a Igreja". O reconhecimento de Agostinho sobre a autoridade do Papa é manifestado pelas famosas palavras com as quais ele acolhe a decisão tomada pelo Papa: Roma locuta est; causa finita est — Roma falou, o caso acabou (Sermão 131, 6:10). Por que Agostinho acredita que o Bispo de Roma tem a última palavra? A resposta é porque o Papa é o sucessor de São Pedro — um fato claramente reconhecido por Agostinho em sua Carta a Generosus (c. 400 dC), na qual ele nomea todos os 34 bispos de Roma de Pedro a Anastasio (Carta 53, 1,2).

Os argumentos acima são muito comuns. São precisamente as mesmas citações encontradas em "The Faith of the Early Pathers" pelo estudioso de patrística católico romano William Jurgens como prova da suposta crença na primazia papal na Igreja primitiva. E Karl Keating usa a mesma referência a Agostinho em seu livro "Catholicism and Fundamentalism". Mas as afirmações desses Pais realmente suportam as pretensões do primado papal? Isto é o que eles queriam dizer com essas declarações? Os fatos não suportam essa afirmação. Essas afirmações são dadas completamente fora do contexto do resto dos escritos desses Padres distorcendo assim o verdadeiro significado de suas palavras. E no caso de Agostinho, como veremos, suas palavras são realmente mal citadas. Todas as declarações freqüentes dos padres são isoladas e citadas sem qualquer interpretação adequada, muitas vezes dando a impressão de que um padre ensinou um ponto de vista particular quando, de fato, não o fez. Mas para aqueles que não estão familiarizados com os escritos dos Pais da Igreja, tais argumentos podem parecer bastante convincentes. Um exemplo deste tipo de metodologia é visto em uma recente obra católica romana intitulada "Jesus, Peter and the Keys". Este trabalho está sendo promovido pelos católicos romanos como provas definitivas do ensino dos pais da Igreja sobre o significado da "rocha" de Mateus 16 e do papel de Pedro. Mas as referências reais dos padres citados neste trabalho são muito seletivas, muitas vezes omitindo citações importantes de seus trabalhos gerais que demonstram uma visão contrária à que está sendo proposta. O que descobriremos, se damos as declarações dos pais em contexto e em correlação com seus escritos gerais, é que sua perspectiva atual é muitas vezes o oposto do reivindicado pelo Vaticano I e por esses mesmos apologistas romanos.

Em seu livro, o "Catholicism and Fundamentalism", Karl Keating afirma que os reformadores haviam inventado uma nova exegese de Mateus 16, a fim de ajudá-los na rebelião contra o papado. Esta é uma completa deturpação falsa. Como o historiador Oscar Cullmann aponta, a visão dos Reformadores não era uma interpretação inovadora inventada por eles, mas retornou à tradição patrística: "Verificamos, assim, que a exegese que os Reformadores deram não foi primeiramente inventada por sua luta contra o papado; isso se baseia numa antiga tradição patrística" (Oscar Cullmann, Peter: Disciple-Apostle-Martyr (Filadélfia: Westminster, 1953), p. 162).

Um exame nos escritos dos Pais da Igreja revela a expressão de um ponto de vista consistente, mas não o da Igreja Católica Romana, como demonstrará a documentação dos principais Padres do Oriente e do Ocidente neste artigo. Este artigo específico é de natureza estritamente histórica. Seu objetivo é documentar a interpretação patrística a respeito da "rocha" de Mateus 16:18. E a evidência demonstrará que a compreensão protestante e ortodoxa do texto está enraizada neste consenso patrístico. Do ponto de vista estritamente bíblico, a interpretação católica romana de Mateus 16:18 é separada do seu próprio contexto bíblico. A Igreja romana afirma que Mateus 16 ensina que a Igreja é construída sobre Pedro e, portanto, sobre os bispos de Roma, em um sentido exclusivo. O que raramente é mencionado é o fato de que Efésios 2:20 usa precisamente a mesma linguagem que encontrou em Mateus 16 quando diz que a Igreja é construída sobre os apóstolos e profetas com Cristo como a pedra angular. A mesma palavra grega para "construída" em Mateus 16 é empregada em Efésios 2:20. Isso demonstra que, a partir de uma perspectiva bíblica, mesmo que interpretem a pedra de Mateus 16 como a pessoa de Pedro, o Novo Testamento não vê o apóstolo Pedro como único neste papel. Cristo é o fundamento e a Igreja é construída sobre todos os apóstolos e profetas no sentido de ser construída sobre o seu ensino. E, além disso, a interpretação católica romana importa um significado para o texto de Mateus 16 que está completamente ausente. Este texto não diz absolutamente nada sobre infalibilidade ou sobre sucessores.

Os Pais da Igreja não isolaram versos particulares de seu contexto bíblico geral e, conseqüentemente, têm uma perspectiva bíblica do fundamento da Igreja, e não o que é romano. A documentação da interpretação dos pais também será complementada pelos comentários dos principais historiadores católicos, protestantes e ortodoxos, a fim de proporcionar um consenso acadêmico sobre a verdadeira compreensão dos pais da igreja citados. Em particular, examinaremos os comentários de Tertuliano, Orígenes, Cipriano, Eusébio, Agostinho, Ambrósio, João Crisóstomo, Teodoreto, Cirilo de Alexandria, Hilário de Poitiers, Jerônimo, Epifânio, Basílio de Seleucia, Paulo de Emesa e João de Damasco.







TERTULIANO (A.D. 155/160—240/250)

Tertuliano nasceu em Cartago no norte da África e praticou a lei antes da conversão ao cristianismo. Como cristão, ele era um escritor prolífico e foi chamado de "Pai do cristianismo latino". Ele provavelmente era um leigo e seus escritos eram amplamente lidos. Ele teve uma grande influência sobre os Pais da Igreja das gerações subseqüentes, especialmente Cipriano. Ele é o primeiro dos pais ocidentais a comentar sobre Mateus 16. Em um de seus escritos Tertuliano identifica a rocha com a pessoa de Pedro sobre a qual a Igreja seria construída:

"Nada foi retido a partir do conhecimento de Pedro, chamado 'a rocha sobre a qual a igreja deveria ser construída', que também obteve 'as chaves do reino dos céus', com o poder de 'ligar e desligar o céu e a terra'" (Alexander Roberts e James Donaldson, Ante-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), Volume III, Tertulian, Prescription Against Heretics 22).

Embora Tertuliano declare que Pedro é a pedra, ele não significa isso em um sentido pró-papal. Nós sabemos disso por causa de outros comentários que ele fez. Mas se isolarmos essa passagem, seria fácil ler uma interpretação pró-romana nela. No entanto, em outros comentários sobre Mateus 16: 18-19, Tertuliano explica o que ele quer dizer quando diz que Pedro é a rocha sobre a qual a Igreja seria construída:

"Se, porque o Senhor, disse a Pedro: 'Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja', 'a você eu darei as chaves do Reino dos Céus' ou 'qualquer coisa que ligares na terra, será ligada ao céu' você, portanto, presume que o poder de ligar e desligar foi dado a você, isto é, para toda Igreja semelhante a Pedro; que tipo de homem é você, subvertendo e mudando completamente a intenção manifesta do Senhor, conferindo como essa intenção esse presente pessoalmente sobre Pedro? 'Sobre ti', ele diz: 'Eu construirei a minha igreja', e 'eu te darei as chaves' e 'Tudo o que houveres ligado ou desligado'. Sobre Pedro, ele mesmo a Igreja foi criada; isto é, através do próprio Pedro; você vê qual a chave: 'Homens de Israel, cumpram o que eu digo a penetrar em seus ouvidos: Jesus o Nazareno, um homem destinado por Deus para você', e assim por diante. O próprio Pedro, portanto, foi o primeiro a destrancar, no batismo de Cristo, a entrada ao reino celestial, em que o reino é 'liberto' dos pecados que estavam antes ligados; e aqueles que não foram 'libertos' são 'aprisionados', de acordo com a verdadeira salvação." (Alexander Roberts e James Donaldson, The Ante-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), Volume IV, Tertullian, On Modesty 21, p.199).

Quando Tertuliano diz que Pedro é a rocha e a Igreja é construída sobre ele, significa que a Igreja é construída através dele enquanto ele prega o evangelho. Esta pregação é como Tertuliano explica o significado das chaves. Eles são a autoridade declarativa para a oferta do perdão dos pecados através da pregação do evangelho. Se os homens respondem à mensagem, são libertos dos seus pecados. Se o rejeitarem, eles permanecem presos em seus pecados. Nas palavras que precedem essa citação, Tertuliano nega explicitamente que essa promessa possa ser aplicada a qualquer pessoa, exceto a Pedro, e, portanto, ele não vê de modo algum uma primazia petrina neste versículo com sucessores nos bispos de Roma. O estudioso patrístico, Karlfried Froehlich, afirma que, embora Tertuliano ensine que Pedro é a rocha, isso não se encaixa no mesmo sentido que a Igreja Católica Romana entende:

"Tertuliano considerou o Pedro de Mateus 16: 18-19 como o representante de toda a igreja, ou pelo menos de seus membros 'espirituais'" (Karlfried Froehlich, São Pedro, Primazia papal e Tradição exegética, 1150-1300, pp. 13).

É uma prática comum de apologistas católicos romanos omitir parte da citação citada acima por Tertuliano, a fim de fazer parecer que ele é um defensor da primazia papal. Um excelente exemplo disso é encontrado em uma defesa recém-divulgada sobre a visão da Igreja Romana a respeito do papado intitulado "Jesus, Peter and Keys". Os autores dão a seguinte citação parcial de Tertuliano:

"Agora pergunto a sua opinião, para saber de onde você usurpa esse direito para a Igreja. Você presume, porque o Senhor disse a Pedro: 'Sobre esta rocha, vou construir a minha Igreja, eu te dei as chaves do reino dos céus' [Mt. 16: 18-19] ou 'tudo o que tens ligado ou desligado na Terra será ligado ou desligado no céu' [Mt. 16: 19] que o poder de ligar e desligar foi assim entregue a você, isto é, a toda igreja semelhante a Pedro? Que tipo de homem você acha que é, subvertendo e mudando o que era a intenção manifesto do Senhor quando ele conferiu isso pessoalmente a Pedro? Sobre você, ele diz, 'vou construir a minha Igreja'; 'e eu lhe darei as chaves', não para a Igreja; e o que quer que você tenha ligado ou ter desligado, não o que eles terão vinculado ou terão desvinculado." (Scott Butler, Norman Dahlgren, David Hess, Jesus, Peter and the Keys (Santa Barbara: Queenship, 1996), pp. 216-217).

Ao comparar esta citação com a dada acima, é claro que esses autores deixaram de lado a última metade da citação. A parte da citação que é omitida define o que Tertuliano quis dizer pela afirmação de que Cristo construiu sua Igreja em Pedro e investiu-o com autoridade. Este é um significado que é claramente contrário à perspectiva católica romana. Omitir isso é distorcer o ensino de Tertuliano e dar a impressão de que ele ensinou algo que ele não ensinou. Então, embora Tertuliano afirme que Pedro é a rocha, o significado não é o mesmo que a Igreja Católica Romana entende. Pedro é a rocha porque ele é o único que tem o privilégio de ser o primeiro a abrir o reino de Deus aos homens. Isto é semelhante à vista expressada por Máximo de Tours quando ele diz: 'Ele é chamado de rocha porque ele foi o primeiro a lançar as bases da fé entre as nações.' (Ancient Christian Writers (New York: Newman, 1989), The Sermons of St. Maximus of Turin, Sermon 77.1, p. 187).

Não só vemos uma clara negação de qualquer crença em um primado papal na exegese de Tertuliano de Mateus 16, mas essa negação também é vista em prática. Nos últimos anos, Tertuliano se separou da Igreja Católica para se tornar um Montanista. Ele claramente não sustentou a visão defendida pelo Vaticano I que a comunhão com o Bispo de Roma era o critério final da ortodoxia e da comunhão na Igreja de Deus.


ORÍGENES (A.D. 185—253/254)

Orígenes era mestre da escola de catequese em Alexandria durante a primeira metade do terceiro século. Ele era um indivíduo de enorme intelecto, assim como o escritor mais prolífico da era patrística. Eusébio afirma que seus escritos contaram com seis mil. Ele foi chamado o maior estudioso da antiguidade cristã. Ele teve uma imensa influência sobre os Pais da Igreja, tanto no Oriente quanto no Ocidente nos séculos seguintes. Orígenes foi o primeiro Pai a dar uma exposição detalhada do significado da rocha de Mateus 16:18. Sua interpretação tornou-se normativa para os padres orientais e para muitos no Ocidente. Além da passagem específica de Mateus 16, ele afirma que Pedro é a rocha:

"Olhe para o grande fundamento dessa Igreja e sobre a pedra muito sólida sobre a qual Cristo fundou a Igreja. Por isso, o Senhor diz: 'Homem de pouca fé, por que duvidaste?'" (Exodus, Homily 5.4. Cited by Karlfried Froehlich, Formen der Auslegung von Matthaus 16,13-18 im lateinischen Mittelaiter, Dissertation (Tubingen, 1963), p. 100).

Mas, como Tertuliano, o que ele diz não significa isso no sentido católico romano. Muitas vezes, Orígenes é citado como um proponente da primazia papal porque diz que Pedro é a rocha. Citações como as que foram dadas acima são isoladas de suas outras declarações sobre Pedro e sua interpretação real de Mateus 16:18, deduzindo assim que ele ensinou algo que ele não ensinou. Em seu ensino, Pedro é simplesmente representativo de todos os verdadeiros cristãos e o que foi prometido a Pedro é dado a todos os homens que verdadeiramente seguem a Cristo. Todos se tornarão o que é Pedro. Essa é a opinião expressa nos seguintes comentários:

"E se nós também dissermos como Pedro: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo', não como se a carne e o sangue nos tivessem revelado, mas pela luz do Pai do céu que brilhava em nosso coração, nos tornamos um Pedro, e para nós, pode ser dito pela Palavra: 'Tu és Pedro', etc. Porque uma rocha é todo discípulo de Cristo, da qual bebiam aqueles que bebiam da rocha espiritual que os seguia, e sobre todos esses a rocha é construída a cada palavra da Igreja, e a política de acordo com ela; pois em cada um dos perfeitos, quem tem a combinação de palavras, feitos e pensamentos que enchem a bem-aventurança, é a Igreja construída por Deus."

"Mas se você supõe que apenas sob Pedro a igreja inteira é construída por Deus, o que você diria sobre João ou cada um dos Apóstolos? Será que, de outra forma, nos atreveremos a dizer que, contra Pedro, em particular, as portas do Hades não prevalecerão, mas que prevalecerão contra os outros Apóstolos? Não diz o que afirmava anteriormente: 'Os portões do Hades não prevalecerão contra isso', em relação a todos e, no caso de cada um deles? E também o ditado: 'Sobre esta pedra, vou construir a minha Igreja?' São as chaves do reino dos céus, concedido somente pelo Senhor a Pedro, e nenhum outro dos abençoados os receberá? Mas se esta promessa: 'Eu darei a ti as chaves do reino dos céus', seja comum aos outros, como todas as coisas antes mencionadas, e as coisas subjugadas como tendo sido dirigidas a Pedro, sejam comuns a eles?"

"'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'. Se alguém lhe disser isto, obterá as coisas que foram ditas de acordo com a carta do Evangelho a Pedro, mas, como o espírito do Evangelho ensina a todo aquele que se torna como o que Pedro era. Pois todos carregam o sobrenome 'rocha' que são os imitadores de Cristo, isto é, da rocha espiritual que seguiu aqueles que estão sendo salvos, para que possam beber dele o projeto espiritual. Mas também, como membros de Cristo que derivam o sobrenome deles, são chamados de cristãos, e como 'rocha', Pedro. E para todos esses, a palavra do Salvador pode ser dita: 'Tu és Pedro' etc., até as palavras, 'prevalecerão contra isso'. Mas, o que é isso? É a rocha sobre a qual Cristo constrói a Igreja, ou é a Igreja? Pois a frase é ambígua. Ou é como se a rocha e a Igreja fossem um e o mesmo? Isto penso ser verdade; pois nem contra a rocha em que Cristo constrói Sua Igreja, nem contra a Igreja prevalecerão as portas do Hades. Agora, se os portões do Hades prevalecerem contra alguém, tal não pode ser uma pedra sobre a qual o Cristo constrói a Igreja, nem a Igreja construída por Jesus sobre a rocha." (Allan Menzies, Ante–Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), Origen, Commentary on Matthew, Chapters 10-11).

Esta é uma das passagens mais importantes em todos os escritos de Orígenes para uma compreensão de sua visão da 'rocha' de Mateus 16. Mas essa passagem não está incluída nas referências dos autores de "Jesus, Peter and the Keys". Esta é uma omissão flagrante dada a importância da passagem e o fato de que é facilmente acessível no trabalho dos Padres Pré-Nicenos. Pode-se apenas concluir que os autores abandonaram propositadamente a passagem porque é antitético para a posição que procuram estabelecer.

John Meyendorff foi um teólogo ortodoxo, historiador e patrístico de renome internacional e altamente respeitado. Foi decano do Seminário Teológico Ortodoxo de São Vladimir e Professor de História Patrística da Igreja. Ele dá a seguinte explicação sobre a interpretação de Orígenes e sua influência sobre os pais subseqüentes no Oriente e no Ocidente:

"Orígenes, a fonte comum da tradição exegética patrística, comentando sobre Mateus 16:18, interpreta o famoso Logion como a resposta de Jesus à confissão de Pedro: Simão se tornou a 'pedra' na qual a Igreja é fundada porque expressou a verdadeira crença na divindade de Cristo. Orígenes continua: 'Se também dissermos 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo', então também nos tornamos Pedro. Quem se assemelha a Cristo, torna-se pedra. Cristo entrega as chaves do reino apenas a Pedro, enquanto outras pessoas abençoadas não podem recebê-las?' De acordo com Orígenes, portanto, Pedro não é mais do que o primeiro 'crente', e as chaves que recebeu abriram as portas do céu para ele sozinho: se outros querem seguir, eles podem 'imitar' Pedro e receber as mesmas chaves. Assim, as palavras de Cristo têm um significado soteriológico, mas não institucional. Apenas afirmam que a fé cristã é a fé expressada por Pedro no caminho de Cesaréia de Filipos. Em todo o corpo de exegese patrística, esta é a compreensão prevalecente da logia "Petrie", e continua válida na literatura bizantina. Assim, quando falou com Pedro, Jesus ressaltou o significado da fé como fundamento de a Igreja, em vez de organizar a Igreja como guardiã da fé." (John Meyendorff, Byzantine Theology (New York: Fordham, 1974), pp. 97-98).

James McCue em "Lutherans and Catholics in Dialogue" afirma essas opiniões de Orígenes nestas declarações:

"Quando Orígenes está comentando diretamente em Mateus 16: 18f, ele deixa cuidadosamente qualquer interpretação da passagem que faria de Pedro qualquer coisa além do que todo cristão deveria ser... O seu é o primeiro comentário detalhado existente anterior sobre Mateus 16:18f. e curiosamente vê o evento descrito como uma lição sobre a vida a ser vivida por cada cristão, e não informação sobre hierarquia ou autoridade na Igreja." (Lutherans and Catholics in Dialogue V, pp. 60-61).

Orígenes e Tertuliano são os primeiros pais, do Oriente e do Ocidente, respectivamente, a dar uma exposição sobre o significado da 'rocha' em Mateus 16, o papel e a posição de Pedro. Suas opiniões são fundamentais para a interpretação desta importante passagem para os séculos seguintes. As vertentes de seus ensinamentos aparecerão nas visões dos Pais da Igreja em todo o Oriente e o Ocidente. É importante ressaltar que os primeiros Pais da Igreja — orientais e ocidentais — a dar uma exegese de Mateus 16 não interpretam a passagem em sentido pró-romano.


CIPRIANO (A.D. 200–210—ca. 258)

Cipriano era bispo de Cartago no norte da África em meados do século III. Ele foi um dos mais influentes teólogos e bispos da Igreja de em seu tempo e deu sua vida em martírio pela fé. Ele foi fortemente influenciado pelos escritos de Tertuliano, o padre norte-africano que o precedeu. Ele é freqüentemente citado por apologistas católicos romanos como testemunha do primado papal. Em seu tratado "Sobre a Unidade da Igreja", Cipriano dá a seguinte interpretação da rocha de Mateus 16:

"Assim fala o Senhor a Pedro: 'Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não a vencerão. Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado também nos céus' (Mt 16,18-19). Sobre um só edificou a sua Igreja. Embora, depois da sua ressurreição, tenha comunicado igual poder a todos os Apóstolos, dizendo: 'Como o Pai me enviou, eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo, a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, a quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos' (Jo 20,21-23), todavia, para tornar manifesta a unidade, dispôs com a sua autoridade que a origem da unidade procedesse de um só." (A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1844), Cyprian, On The Unity of the Church 3-4, pp. 133-135).

Cipriano claramente diz que Pedro é a rocha. Se seus comentários fossem restritos à citação acima mencionada, daria credibilidade à idéia de que ele era um proponente do primado papal. No entanto, os comentários de Cipriano continuam a partir das declarações dadas acima. Suas declarações adicionais demonstram de forma conclusiva que, embora ele afirma que Pedro é a rocha, ele não significa isso em um sentido pró-romano. Sua visão é que Pedro é um símbolo de unidade, um representante figurativo dos bispos da Igreja. Cipriano viu todos os apóstolos como sendo iguais uns com os outros. Ele acreditava que as palavras de Pedro em Mateus 16 eram representativas da ordenação de todos os Bispos para que a Igreja seja fundada, e não sobre um Bispo, mas sobre todos igualmente na colegialidade. Pedro, então, é uma figura representativa do episcopado como um todo. Sua visão é claramente indicada nessas palavras:

"É verdade que os demais Apóstolos eram o mesmo que Pedro, tendo recebido igual parte de honra e de poder, mas a primeira urdidura começa pela unidade a fim de que a Igreja de Cristo aparecesse uma só. O Espírito Santo, falando na pessoa do Senhor, designa esta Igreja única quando diz no Cântico dos Cânticos: 'Uma só é a minha pomba, a minha perfeita, única filha da sua mãe e sem igual para a sua progenitora.'" (A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1844), Cyprian, On The Unity of the Church 3, p. 133).


"Nosso Senhor, cujos preceitos e advertências devemos observar, determinando a honra de um Bispo e o ordenamento de Sua própria Igreja, fala no Evangelho e diz a Pedro: Eu digo tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja; e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu darei a ti as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligarás na terra será ligado no céu. Daí a ordenação dos Bispos e o ordenamento da Igreja, corre ao longo do tempo e da linha de sucessão, para que a Igreja se estabeleça em seus Bispos; e todos os atos da Igreja são regulados por esses mesmos prelados." (A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1844), The Epistles of S. Cyprian, Ep. 33.1)

Cipriano, como Tertuliano, afirma que Pedro é a rocha. Mas essa afirmação deve ser qualificada. Definitivamente não possui o mesmo significado da mesma maneira que a Igreja de Roma faz. Em seu tratado, "Da Unidade da Igreja", Cipriano ensina que Pedro sozinho não é a pedra ou o fundamento sobre o qual a Igreja é construída, mas sim é um exemplo do princípio da unidade. Ele é representante da Igreja como um todo. Todo o episcopado, de acordo com Cipriano, é o fundamento, embora o próprio Cristo seja a verdadeira Rocha. Os bispos de Roma não são dotados de autoridade divina para governar a Igreja. Todos os bispos juntos constituem a Igreja e dominam suas áreas de responsabilidade individuais como co-iguais. Se Cipriano quis dizer que a Igreja foi construída sobre Pedro e aquele que resiste ao bispo de Roma resiste à Igreja (se afastando da Igreja), então ele se contradiz completamente, pois, como veremos na Parte II, ele se opõe a Estevão, o bispo de Roma em sua interpretação de Mateus 16, bem como sobre questões teológicas e jurisdicionais. Suas ações provam que seus comentários sobre Pedro não poderiam coincidir com a interpretação católica romana de suas palavras. Fazer isso é uma distorção de seu verdadeiro significado.

Historicamente, houve alguma confusão sobre a interpretação do ensino de Cipriano porque existem duas versões de seu tratado. No primeiro Cipriano fala da cátedra de Pedro em que ele equipara a verdadeira Igreja com essa cátedra. Ele afirma que existe apenas uma Igreja e uma cátedra, além de um primado dado a Pedro. Em segundo, as referências a uma primazia petrina são suavizadas para dar maior ênfase ao tema da unidade e co-igualdade dos bispos. A maioria dos estudiosos católicos e protestantes agora concordam que Cipriano é o autor de ambas as versões. Ele escreveu o segundo para compensar uma interpretação pró-romana que estava sendo anexada às suas palavras que ele nunca pretendia. O episcopado é para ele o princípio da unidade dentro da Igreja e representativo dele. A "cátedra de Pedro" é uma expressão figurativa que se aplica a todos os bispos em sua própria visão, não apenas aos bispos de Roma. O bispo de Roma tem um primado de honra, mas ele não tem jurisdição universal sobre toda a Igreja, pois Cipriano expressamente afirma que todos os apóstolos receberam a mesma autoridade e status que Pedro e a Igreja é construídos sobre todos os bispos e não apenas sob Pedro. Alguns se referem a essas conclusões sobre Cipriano citando suas declarações sobre a cátedra de Pedro. Os apologistas católicos romanos nos levariam a acreditar que os comentários de Cipriano se referem exclusivamente aos bispos de Roma e que, portanto, possuem autoridade especial como sucessores de Pedro.


O historiador católico romano, Robert Eno, repudia esse ponto de vista como uma falsa representação da visão de Cipriano. Como ele ressalta, Cipriano não acreditava que o bispo de Roma possuísse uma autoridade superior do que ele ou os outros bispos africanos. Todos eram iguais:

"Cipriano faz um uso considerável da imagem da cátedra de Pedro. Note, no entanto, a importância da Igreja local em sua teologia: 'Deus é um e Cristo é um: há uma Igreja e uma cátedra fundada, pela autoridade do Senhor, sobre Pedro. Não é possível que seja criado outro altar, ou que um novo sacerdócio possa ser nomeado, além deste altar único e deste sacerdócio' (Ep. 43.5).

O simbolismo a respeito da 'cathedri Petri' tem sido a fonte de muitos mal-entendidos e disputa. Talvez possa ser entendido com mais facilidade, observando o tratado especial que ele escreveu para defender tanto o seu próprio cargo como único bispo legítimo de Cartago e o de Cornélio contra Novaciano. O capítulo de maior interesse é o quarto. A controvérsia perseguiu este trabalho porque existem duas versões deste capítulo. Desde a Reforma, a aceitação de uma versão ou a outra geralmente seguiu as linhas denominacionais.

Grande parte disso diminuiu nas últimas décadas, especialmente com o trabalho do Pe. Maurice Bevenot, um jesuíta inglês, que dedicou a maior parte de sua vida acadêmica a este texto. Ele defendeu a sugestão do beneditino inglês, John Chapman, de que o que estamos lidando aqui são duas versões de um texto, ambos escritos por Cipriano. Esta visão ganhou ampla aceitação nas últimas décadas. Cipriano também não escreveu, mas sua teologia da Igreja permanece inalterada desde o primeiro até o segundo. Ele fez mudanças textuais porque sua versão anterior estava sendo mal utilizada.

A teologia da passagem controvertida vê em Pedro o símbolo da unidade, e não da sua maior autoridade por Cristo, pois, em ambas as versões, está claramente dito: "... um poder semelhante é dado a todos os Apóstolos". Não há dúvida de que os outros eram tudo o que Pedro era. 'No entanto, a Pedro foi dado primeiro o poder: Assim, fica claro que não há mais uma igreja e uma cátedra'. A cadeira de Pedro pertence a cada bispo legal na sua própria Sé. Cipriano detém a cátedra de Pedro em Cartago e Cornélio em Roma contra o novo usurpador — Novaciano. Você deve manter essa unidade se quiser permanecer na Igreja. Cipriano quer unidade na igreja local em torno do bispo legítimo e unidade entre os bispos do mundo que estão em comunhão. (Epístola 66.8)

Além de suas boas relações e harmonia com o Bispo Cornélio, qual era a visão básica do papel de Cipriano, — não de Pedro — como símbolo de unidade, mas de Roma na Igreja contemporânea? Dado o que dissemos acima, é claro que ele não viu o bispo de Roma como seu superior, exceto por meio de honra, embora o legítimo bispo de Roma também exercesse a autoridade de Pedro em sentido histórico (Ep. 52.2). Outro termo freqüentemente usado pelos africanos ao falar da Igreja era 'a raiz'. Cipriano às vezes usou o termo em conexão com Roma, levando alguns a afirmar que ele considerava a igreja romana como a 'raiz'. Mas, de fato, no ensino de Cipriano, a Igreja Católica como um todo é a raiz. Então, quando se despediu de alguns católicos que viajavam para Roma, ele instruiu-os a ter muito cuidado com qual grupo de cristãos contataram após sua chegada a Roma. Eles devem evitar grupos cismáticos como o de Novaciano. Eles devem entrar em contato e se juntarem à Igreja presidida por Cornélio, porque só ela é a Igreja Católica em Roma. Em outras palavras, Cipriano exortou '... a discernir o seio e a raiz da Igreja Católica e se apegar a ela' (Ep. 48.3).

"É claro que na mente de Cipriano uma conclusão teológica que ele não desenha é que o bispo de Roma possui autoridade superior à dos bispos africanos" (Robert Eno, The Rise of the Papacy (Wilmington: Michael Glazier, 1990), pp. 57-60).

Como Charles Gore apontou que a 'Cátedra de Pedro' em sua Epístola 43, que os apologistas romanos geralmente citam em defesa de uma primazia romana exclusiva, para se referir à sua própria visão de Cartago, não a sede de Roma. Isso é confirmado como um consenso geral de historiadores protestantes, ortodoxos e católicos romanos. James McCue, escrevendo em "Lutherans and Catholics in Dialogue", na obra Papal Primacy e Universal Church, afirma esta interpretação da visão de Cipriano nos seguintes comentários:

"De acordo com a interpretação de Cipriano de Mateus 16:18, Jesus primeiro conferiu a Pedro a autoridade com que ele subsequentemente daria a todos os apóstolos. Isto, de acordo com Cipriano, foi para deixar claro a unidade de poder que estava sendo conferida e da igreja que estava sendo estabelecida. Cipriano frequentemente fala de Pedro como a fundação da igreja, e seu significado parece ser que era em Pedro que Jesus primeiramente estabeleceu todos os poderes de edificação da igreja e responsabilidades que subsequentemente iriam também ser dados aos apóstolos e bispos. Pedro é a fonte da unidade da igreja somente em uma forma exemplar ou simbólica... O próprio Pedro parece, no pensamento de Cipriano, não ter autoridade sobre os outros apóstolos, e consequentemente a igreja de Pedro não pode razoavelmente clamar ter autoridade sobre as outras igrejas." (Papal Primacy and the Universal Church, Edited by Paul Empie and Austin Murphy (Minneapolis: Augsburg, 1974), Lutherans and Catholics in Dialogue V, pp. 68-69).

Este julgamento é ainda afirmado pelo historiador católico romano, Michael Winter:

"Cipriano usou o texto Petrino de Mateus para defender a autoridade episcopal, mas muitos teólogos posteriores, influenciados pelas conexões papais do texto, interpretaram Cipriano em um sentido pró-papal que era estranho ao seu pensamento... Cipriano teria usado Mateus 16 para defender a autoridade de qualquer bispo, mas já que aconteceu de empregá-lo para o bem do bispo de Roma, isto criou a impressão de que ele entendia isto como se referindo à autoridade papal... Católicos assim como Protestantes estão agora geralmente concordando que Cipriano não atribuiu autoridade superior a Pedro." (Michael Winter, St. Peter and the Popes (Baltimore: Helikon, 1960), págs. 47-48)

Este historiador católico romano insiste que é uma falsa representação do verdadeiro ensinamento de Cipriano para afirmar que ele é um padre que apoia a interpretação católica romana de Mateus 16. E ele diz que os teólogos protestantes e católicos romanos agora estão de acordo sobre isso. Mais uma vez, os historiadores católicos romanos rejeitam especificamente o que alguns apologistas romanos costumam ensinar sobre Cipriano e seus comentários sobre a "Cátedra de Pedro". Karlfried Froehlich afirma:


"Cipriano entendeu o Pedro bíblico como representante do episcopado unificado, não do bispo de Roma. Ele o entendia como simbolizando a unidade de todos os bispos, os oficiais privilegiados da penitência. Para Cipriano, o único Pedro, o primeiro a receber as chaves que todos os outros bispos também possuem, era o tipo bíblico do episcopado, o que, por sua vez, garantiu a unidade da igreja. O único que Pedro igualou o único corpo de bispos." (Karlfried Froehlich, Saint Peter, Papal Primacy, and the Exegetical Tradition, 1150-1300, p. 36)

John Meyendorff explica o significado do uso de Cipriano da frase "cátedra de Pedro" e resume a eclesiologia cipriânica que era normativa para o Oriente como um todo:

"A visão de Cipriano da 'catedra de Pedro' (cáthedri Petri) era que pertencia não só ao bispo de Roma, mas a todo bispo dentro de cada comunidade. Assim, Cipriano não usou o argumento da primazia romana, mas de sua própria autoridade como 'sucessor de Pedro' em Cartago. Para Cipriano, a 'cátedra de Pedro' era um conceito sacramental, necessariamente presente em cada Igreja local: Pedro era o exemplo e modelo de cada Bispo local, que, dentro da sua comunidade, preside a Eucaristia e possui 'o poder das chaves' para redimir os pecados. E uma vez que o modelo é único, único também é o episcopado (episcopatus unus est) compartilhado, em igual plenitude (em solidum) por todos os bispos". (John Meyendorff, Imperial Unity and Christian Divisions (Crestwood: St. Vladimir’s, 1989), pp. 61, 152).


E, finalmente, Reinhold Seeberg explica a interpretação de Cipriano de Mateus 16 e sua eclesiologia nestas palavras:

"De acordo com Mateus 16:18, a igreja é fundada sobre o bispo e sua sucessão passa por ele: 'Portanto, através das mudanças de tempos e dinastias, a ordenação dos bispos e a ordem da igreja seguem, de modo que a igreja é constituída de bispos, e todos os atos da igreja são controlados por esses líderes' (Epístola 33.1). Os bispos constituem uma faculdade (collegium), o episcopado (episcopatus). Os concílios desenvolveram essa concepção. Neles, os bispos praticamente representavam a unidade da igreja, como Cipriano agora a formulou teoricamente. Sobre a sua unidade repousa a unidade da igreja. Esta unidade é manifesta no fato de que o Senhor, em primeira instância, atribuiu autoridade apostólica a Pedro: 'Assim, os outros apóstolos também foram, até certo ponto, o que Pedro era, dotado com uma parcela igual de honra e poder; mas o princípio procede da unidade, para que a igreja de Cristo seja mostrada como sendo uma'. Na realidade, todos os bispos ficam no mesmo nível e, portanto, ele manteve, em oposição a Estevão de Roma, seu direito de opinião e ação independente." (Reinhold Seeberg, Text-Book of the History of Doctrines (Grand Rapids: Baker, 1952), Volume I, p. 182-183)

As citações acima de historiadores católicos romanos, protestantes e ortodoxos de renome mundial revelam um consenso de opinião acadêmica sobre os ensinamentos de Cipriano demonstrando efetivamente a incompatibilidade dos pontos de vista de Cipriano com aqueles defendidos pelo Vaticano I. Este consenso também revela o perigo de fazer as declarações dos padres da Igreja em valor de face sem considerar o contexto dessas declarações ou para buscar uma interpretação adequada do significado dos termos que eles usam. É fácil importar significados preconcebidos em suas declarações, resultando em falsas declarações de seus ensinamentos.


Os autores de "Jesus, Peter and the Keys" são culpados disso mesmo. Eles listam as citações de Cipriano no total desrespeito dos fatos verdadeiros, como foram enumerados pelos historiadores acima, dando a impressão de que Cipriano acreditava na primazia papal quando de fato não o fazia. Seu ponto de vista e o de muitos apologistas romanos de nossos dias são completamente repudiados, mesmo pelos conservadores historiadores católicos romanos. Cipriano é um excelente exemplo de um padre que afirma que Pedro é a rocha, mas que não significa isso no sentido católico romano. Mas, sem dar o contexto histórico correto e a compreensão de seus escritos, seria bastante fácil induzir o desvinculado investindo as palavras de Cipriano com o desenvolvimento doutrinário de uma era posterior, deturpando assim sua posição real.


EUSÉBIO

Eusébio nasceu em Cesaréia na Palestina ao redor do ano 263 A.D. Ele tomou o nome de Eusebius Pamphilus depois de seu mentor e professor Pamphilus. Ele foi consagrado bispo de Cesaréia em 313 A.D. e participou do Concílio de Nicaea. Ele é conhecido como o pai da história eclesiástica por seu trabalho na história da Igreja. Ele expressou muito claramente suas opiniões sobre o significado da rocha de Mateus 16:

"Ele atirou suas flechas e dispersou os inimigos, com seus raios os derrotou. O fundo do mar apareceu, e os fundamentos da terra foram expostos pela tua repreensão, ó Senhor, com o forte sopro das tuas narinas (Salmos 18:14,15); pelos fundamentos do mundo compreenderemos a força da sabedoria de Deus, pela qual, primeiro, a ordem do universo foi estabelecida, e então, o próprio mundo foi fundado — um mundo que não será abalado. No entanto, você não se esquecerá de nada do alcance da verdade, se você supor que 'o mundo' é na verdade a Igreja de Deus, e que seu 'fundamento' é, em primeiro lugar, essa rocha inesgotável e sólida em que se fundamenta, como diz a Escritura: 'Sobre esta pedra, vou construir a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela'; e em outros lugares: 'A rocha, além disso, era Cristo'. Pois, como o apóstolo indica com estas palavras: 'Porque ninguém pode colocar outro fundamento além do que está posto, o qual é Jesus Cristo!'. Então, também, depois do próprio Salvador, você pode justamente julgar os fundamentos da Igreja como as palavras dos profetas e apóstolos, de acordo com a declaração do Apóstolo: 'Construído sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, o próprio Cristo Jesus sendo a pedra angular'. As fundações do mundo foram descobertas porque os inimigos de Deus, que uma vez escureceram os olhos de nossa mente, para que não olhássemos para as coisas divinas, foram encaminhados e colocados em vôo — dispersos pelas flechas enviadas de Deus e colocadas em vôo por a repreensão do Senhor e pela explosão de suas narinas. Como resultado, tendo sido salvo desses inimigos e tendo recebido o uso de nossos olhos, vimos os canais do mar e examinamos os fundamentos do mundo. Isso aconteceu em nossa vida em muitas partes do mundo" (Commentary on the Psalms, M.P.G., Vol. 23, Col. 173, 176).

Eusébio ensina inequivocamente que a rocha é Cristo. Ele correlaciona essa interpretação com a rocha paralela e as afirmações fundamentais de Coríntios 10:4 e 3:11. Ele continua dizendo que há um fundamento subsidiário, de Efésios 2:20, dos apóstolos e profetas, a Igreja também foi construída sobre eles, mas a pedra angular é Cristo. No entanto, ele interpreta isso como significando que a Igreja deve ser construída sobre as palavras ou ensinamentos dos apóstolos e profetas em oposição às suas pessoas. É nesse sentido que se pode dizer que a Igreja é construída sobre Pedro e os outros apóstolos. É claro que somente Cristo é o verdadeiro fundamento e rocha da Igreja e que Eusébio não vê primazia petrina peculiar associado às declarações de Cristo em Mateus 16. Pedro é simplesmente um dos vários apóstolos que é também um fundamento da Igreja. Isso não tem nada a ver com sua pessoa, mas tudo a ver com suas palavras — sua confissão. Isso nos ajuda a entender corretamente outras referências de Eusébio a Pedro. Por exemplo, quando ele diz: 'Mas Pedro, sobre quem a Igreja de Cristo é construída, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão, deixou uma epístola indiscutível' (História Eclesiástica II.XXV (Grand Rapids: Baker, 1977) ), p. 246), isso não significa que Cristo estabeleceu um escritório papal em Pedro e que a Igreja seja construída sobre ele em um sentido pessoal e através dele sobre seus supostos sucessores. A Igreja é construída sobre Pedro, construída sobre sua confissão de fé. À luz de seus comentários de seu Comentário sobre os Salmos, podemos concluir que Eusébio não interpretou Mateus 16:18 de acordo com a Igreja Católica Romana. É somente Cristo que enche a visão de Eusébio desta passagem. No entanto, buscará em vão a citação acima de Eusébio na obra católica romana "Jesus, Peter and the Keys". Este trabalho pretende dar uma perspectiva patrística definitiva sobre a rocha de Mateus 16. Mas a falta de uma documentação completa sobre o que esse padre realmente escreveu sobre o assunto mais uma vez deixa os autores abertos à acusação de uma apresentação tendenciosa e manipuladora dos fatos.

A interpretação de Eusébio, juntamente com a de Orígenes, teve uma imensa influência sobre os padres orientais e ocidentais. Uma e outra vez, como veremos, encontramos os padres das gerações subsequentes que interpretam esta passagem da rocha com foco na pessoa de Cristo. As correspondentes passagens de Coríntios 3:11 e 10:4 são usadas como justificativa para a interpretação. Michael Winter descreve o ponto de vista e a influência de Eusébio:

"Na História Eclesiástica, ele diz sem qualquer explicação ou qualificação: 'Pedro sobre quem a igreja de Cristo é construída, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão'. Em outros lugares ele fala de Cristo como o fundamento da igreja em tal maneira que chega a excluir São Pedro. Por exemplo, em seu comentário sobre os Salmos, a referência ao fundamento da terra no Salmo 17 leva-o a considerar o fundamento da igreja. Usando Mateus 16, ele declara que esse fundamento é uma rocha, que é então identificada como Cristo em Sua autoridade [de 1 Cor. 10:4]. Esta interpretação do texto de Mateus, que parece tão estranha ao leitor moderno, indica um problema que perplexa um certo número dos primeiros padres. Sua eclesiologia foi, graças a Paulo, tão completamente cristocêntrica que era difícil para eles imaginar um fundamento diferente de Cristo. A terceira opinião que Eusébio apresentou era uma interpretação de Mateus 16 que previa a rocha da igreja nem como Cristo nem precisamente o próprio Pedro, mas como a fé que ele manifestou em seu reconhecimento de Cristo. Esta última visão de Eusébio, juntamente com sua outra inovação, a saber, que a rocha era Cristo, teve uma influência considerável sobre a exegese posterior do texto em questão, tanto na igreja oriental como na igreja ocidental." (Michael Winter, St. Peter and the Popes (Baltimore: Helikon, 1960), p. 53)







AGOSTINHO DE HIPONA

Agostinho é considerado por muitos os mais importantes teólogos da história da Igreja durante os primeiros mil e duzentos anos. Nenhum outro Pai da Igreja teve influência de tão grande alcance sobre a teologia da Igreja. Sua autoridade em toda a era patrística e média é insuperável. Ele foi o bispo de Hipona na África do Norte desde o final do século IV e no primeiro quarto do quinto, até sua morte em 430. William Jurgens faz esses comentários sobre sua importância:

"Se nos confrontássemos com a improvável proposição de ter que destruir completamente as obras de Agostinho ou as obras de todos os outros Padres e Escritores, tenho poucas dúvidas de que todos os outros teriam de ser sacrificados. Agostinho deve permanecer. De todos os pais é Agostinho, que é o mais erudito, que tem as mais notáveis ideias teológicas e quem é efetivamente mais prolífico" (William Jurgens, The Faith of the Early Fathers (Collegeville: Liturgical, 1979), Vol. 3, p. 1).


Ele foi um escritor prolífico e ele fez numerosos comentários que se relacionam diretamente com a questão da interpretação da pedra de Mateus 16:18. Na verdade, Agostinho fez mais comentários sobre esta passagem do que qualquer outro pai da Igreja. No final de sua vida, Agostinho escreveu suas Retractações onde ele corrige as declarações em seus escritos anteriores que ele diz serem errôneas. Um deles teve a ver com a interpretação da rocha em Mateus 16. No início de seu ministério, Agostinho escreveu que a rocha era Pedro. No entanto, muito cedo, ele mudou sua posição e, durante o resto do ministério, adotou a visão de que a rocha não era Pedro, mas a confissão de Pedro que apontou para a pessoa de Cristo. As seguintes são declarações de suas Retratações que se referem à sua interpretação da rocha de Mateus 16:

"Numa passagem deste livro, eu falei sobre o apóstolo Pedro: 'Sobre ele como em uma pedra, a Igreja foi construída'... Mas eu sei com muita frequência em um momento posterior, eu expliquei o que o Senhor disse: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra, construirei minha Igreja', que seja entendido como construído sobre Aquele a quem Pedro confessou, dizendo: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo', e assim Pedro, chamou essa rocha, representou a pessoa da Igreja que é construída sobre esta rocha e recebeu 'as chaves do reino dos céus'. Pois 'tu és Pedro' e não 'tu és a pedra' foi dito a ele. Mas 'a pedra era Cristo', ao confessar quem, como também toda a Igreja confessa, Simão foi chamado de Pedro. Mas deixe o leitor decidir qual dessas duas opiniões é a mais provável" (The Fathers of the Church (Washington D.C., Catholic University, 1968), Saint Augustine, The Retractations Chapter 20.1).

Claramente, Agostinho está repudiando uma posição anteriormente mantida, adotando a visão de que a rocha era Cristo e não Pedro. Isso se tornou sua posição consistente. Ele deixa a interpretação aberta para que os leitores individuais decidam qual foi a interpretação mais provável, mas é claro o que ele concluiu a interpretação deve ser e que ele acredita que a visão de que a pedra é Cristo como sendo correta. O fato de ele mesmo sugerir que os leitores individuais podem assumir uma posição diferente é evidência do fato de que, depois de quatrocentos anos de história da igreja, não havia uma interpretação oficial da Igreja desta passagem, como afirmou o Vaticano I. O leitor pode imaginar um bispo da Igreja Católica Romana hoje sugerindo que seria apropriado que os indivíduos usassem a interpretação privada e chegassem à sua própria conclusão quanto ao significado adequado da rocha de Mateus 16? Mas isso é precisamente o que Agostinho faz, embora ele não nos deixa em dúvida sobre o que ele, como bispo e teólogo líder da Igreja, acredita pessoalmente. E sua visão não era uma interpretação nova, chegou ao fim de sua vida, mas seu ensino consistente ao longo de seu ministério. Nem era uma interpretação contrária à opinião prevalecente de seu tempo. A seguinte citação é representativa da visão geral adotada por este grande professor e teólogo:

"E eu lhe digo 'Tu és Pedro e sob esta pedra eu vou construir minha Igreja, e os portões do Hades não a conquistarão. A você darei as chaves do reino. Tudo o que você ligar na terra também será ligado no céu; tudo o que você desligar na terra também será desligado no céu' (Mt 16, 15-19). Em Pedro, vemos nossa atenção atraída pela rocha. Agora, o apóstolo Paulo diz sobre o ex-povo: 'Eles beberam da rocha espiritual que os seguia; mas a rocha era Cristo' (1 Cor. 10: 4). Então este discípulo é chamado rocha, como cristão de Cristo. Por que eu quis fazer essa pequena introdução? Para sugerir-lhe que, em Pedro, a Igreja deve ser reconhecida. Cristo, você vê, construiu sua Igreja não em um homem, mas na confissão de Pedro. Qual é a confissão de Pedro? 'Você é o Cristo, o Filho do Deus vivo'. Há a rocha para você, há a base, onde a Igreja foi construída, que as portas do submundo não poderão prevalecer" (John Rotelle, Ed., The Works of Saint Augustine (New Rochelle: New City Press, 1993), Sermons, Vol. 6, Sermon 229P.1, p. 327).

Agostinho não podia ser mais claro em sua interpretação da pedra de Mateus 16. Em sua opinião, Pedro é representante de toda a Igreja. A rocha não é a pessoa de Pedro, mas o próprio Cristo. De fato, nas declarações acima, ao eximir Mateus 16, ele diz explicitamente que Cristo não construiu sua Igreja em um homem, referindo-se especificamente a Pedro. Se Cristo não construiu sua Igreja em um homem, ele não estabeleceu um escritório papal com sucessores de Pedro nos bispos de Roma. Novamente, se alguém examina a documentação dos escritos de Agostinho que são fornecidos em "Jesus, Peter and the Keys", essa referência particular não será encontrada. Claramente, os autores negligenciaram fornecer essa documentação porque isso mina completamente sua posição. A seguinte documentação extensa revela que Agostinho ensinou que Pedro era simplesmente um representante figurativo da Igreja, não o seu governante — uma visão que lembra a de Cipriano:

"Mas quem diz que eu sou? Pedro respondeu: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'. Já que a Rocha é um substantivo próprio, Pedro recebe seu nome a partir da Rocha e não a Rocha a partir de Pedro, de igual modo como cristãos recebemos este nome a partir de Cristo, e não Cristo a partir dos cristãos. 'Tu', disse Cristo, 'és Pedro, e sobre esta Rocha que confessastes dizendo 'Tu és Cristo, o Filho de Deus', construirei minha Igreja'; isto é sobre mim mesmo, o Filho de Deus Vivo. Eu construirei sobre mim, não eu mesmo sobre você.

Para os homens que desejavam ser construídos sobre os homens, disseram: 'Eu sou de Paulo; e eu de Cefas, 'quem é Pedro'. Mas outros que não desejaram construir sobre Pedro, mas sobre a Rocha, disseram: 'Mas eu sou de Cristo'. E quando o apóstolo Paulo verificou que ele foi escolhido, e Cristo desprezou, ele disse: 'Cristo está dividido? Paulo foi crucificado por você? Ou vós fostes batizados em nome de Paulo? E, como não em nome de Paulo, nem mesmo em nome de Pedro; mas em nome de Cristo: para que Pedro seja construído sobre a Rocha, não a Rocha sobre Pedro. Este mesmo Pedro, portanto, que tinha estado na Rocha pronunciou "abençoado", com a figura da Igreja" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume VI, St. Augustin, Sermon XXVI.1-4, pp. 340-341).

E esta Igreja, simbolizada em sua totalidade, foi personificada no apóstolo Pedro, por causa do primado de seu apostolado. Pois, no que diz respeito à sua personalidade própria, ele era, por natureza, um homem pela graça, um cristão por uma graça ainda mais abundante, e ainda assim, o primeiro apóstolo; mas quando lhe foi dito: 'Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligarás na terra, será ligado no céu; e tudo o que você desligará na terra, será desligado no céu', ele representou a Igreja universal, que neste mundo é abalada por diversas tentações, que surgem como torrentes de chuva, inundações e tempestades, e não cai, porque é fundada sobre uma pedra (petra), da qual Pedro recebeu seu nome. Pois pedra (Petra) não é derivado de Pedro, mas Pedro de Petra; assim como Cristo não é chamado assim pelo cristão, mas o cristão por causa de Cristo. Pois, nesta mesma conta, o Senhor disse: 'Sobre esta pedra, eu construirei minha Igreja', porque Pedro havia dito: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'. Sobre esta pedra, portanto, Ele disse, sob o que você Confessou, 'vou construir a minha Igreja'. Pois a pedra (Petra) era Cristo; e, nessa base, o próprio Pedro foi construído. A Igreja, portanto, que é fundada em Cristo, recebeu d'Ele as chaves do reino dos céus na pessoa de Pedro, isto é, o poder de perdoar os pecados. Porque a Igreja é essencialmente em Cristo, tal representativamente é Pedro na rocha (petra); e nesta representação Cristo deve ser entendido como a Rocha, Pedro como a Igreja" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume VII, St. Augustin, On the Gospel of John, Tractate 124.5).

"Antes de sua paixão, o Senhor Jesus, como você sabe, escolhe os discípulos dele, a quem chamou apóstolos. Entre estes, foi apenas Pedro que quase em todos os lugares recebeu o privilégio de representar a Igreja inteira. Foi na pessoa de toda a Igreja, que ele representou sozinho, que teve o privilégio de ouvir: 'Para você, eu darei as chaves do reino dos céus' (Mt 16, 19). Afinal, não é apenas um homem que recebeu essas chaves, mas a Igreja em sua unidade. Então, este é o motivo da preeminência reconhecida de Pedro, que ele defendeu a universalidade e a unidade da Igreja, quando lhe foi dito: 'A você, estou confiando', o que de fato foi confiado a todos.


Quero dizer, para mostrar-lhe que é a Igreja que recebeu as chaves do reino dos céus, ouça o que o Senhor diz em outro lugar a todos os seus apóstolos: 'Receba o Espírito Santo' e, imediatamente, 'aqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados; e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos.' (Jo 20, 22-23). Isso se refere às chaves, sobre as quais é dito: 'Tudo o que você desligar na terra será desligado no céu, e tudo o que você ligar na terra será ligado nos céus' (Mt 16, 19). Mas isso foi dito a Pedro. Para mostrar-lhe que Pedro, naquele tempo, representava a Igreja universal, ouvia o que se diz a ele, o que é dito a todos os fiéis, aos santos: 'Se o seu irmão pecar contra você, corrija-o entre você e ele sozinho'" (John Rotelle, Ed., The Works of Saint Augustine (Hyde Park: New City, 1994), Sermons, III/8 (273-305A), On the Saints, Sermon 295.1-3, pp. 197-198).

De acordo com Agostinho, os Apóstolos são iguais em todos os aspectos. Cada um recebe a autoridade das chaves, e não apenas Pedro. Mas em algum momento, Agostinho não concede um primado ao apóstolo Pedro? Ele não chama Pedro o primeiro dos apóstolos, segurando o lugar principal no Apostolado? Essas declarações não provam primado papal? Embora seja verdade que Agostinho tem algumas coisas muito exaltadas a dizer sobre Pedro, como muitos dos pais, não se segue que nem ele nem eles tenham mantido a visão católica romana da primazia papal. Isso ocorre porque seus comentários se aplicam somente a Pedro. Eles não têm absolutamente nada a ver com os bispos de Roma. Como sabemos disso? Porque Agostinho e os pais não fazem esse pedido em seus comentários. Eles não afirmam que suas descrições de Pedro se aplicam aos bispos de Roma. O erro comum cometido por apologistas católicos romanos é a suposição de que, como alguns dos pais fazem certos comentários sobre Pedro — por exemplo, que ele é o chefe dos apóstolos ou chefe do coro apostólico — que eles também têm em mente o bispo de Roma em um sentido exclusivo. Mas eles não afirmam isso em seus escritos. Esta é uma teologia pré-concebida. Eles viram os bispos de Roma como sucessores de Pedro? Sim. Eles viram os bispos de Roma como os sucessores exclusivos de Pedro? Não. Na visão de Agostinho e dos primeiros padres, todos os bispos da Igreja no Oriente e Ocidente eram os sucessores de Pedro. Todos possuem a cadeira de Pedro. Então, quando falam em termos exaltados sobre Pedro, eles não aplicam esses termos aos bispos de Roma. Portanto, quando um pai se refere a Pedro como a rocha, ou "coryphaeus" (corifeu), o primeiro dos discípulos, ou algo semelhante, isso não significa que ele esteja expressando acordo com a atual interpretação católica romana.


Agostinho afirma que Pedro é o primeiro e chefe dos apóstolos e que ele tem um primado. No entanto, ele não interpreta esse primado no sentido católico romano. Ele acredita que o primado de Pedro é figurativo na medida em que ele representa a Igreja universal. Mais uma vez, ele declara explicitamente que Cristo não construiu sua Igreja sobre um homem, mas sim na confissão de fé de Pedro. Pedro é construído sobre Cristo, a rocha e, como representante figurativo da Igreja, ele mostra como cada crente é construído em Cristo. Na opinião de Agostinho, Pedro tem um primado ou preeminência, mas nada disso se aplica a ele em um sentido jurisdicional, porque ele diz que 'Cristo não construiu sua Igreja sobre um homem'. Não podemos obter uma ilustração mais clara que os pais fizeram de fato, separe a confissão de fé de Pedro da pessoa de Pedro. Ao comentar uma das referências de Agostinho a Pedro e à pedra, John Rotelle, editor da série católica romana sobre os Sermões de Agostinho, faz essas observações:

"Havia Pedro, e ele ainda não tinha sido confirmado sob a rocha: isto é, em Cristo, como participando da sua 'piedade' pela fé. Isso não significa confissão como a rocha, porque Agostinho nunca pensa em Pedro como a rocha. Jesus, afinal, não o chamou de rocha mas 'firme'. A rocha sobre a qual ele edificaria a Igreja era, para Agostinho, o próprio Cristo e a fé de Pedro, representando a fé da Igreja (ênfase meu)" (John Rotelle, Ed., The Works of Saint Augustine (New Rochelle: New City, 1993), Sermons, Sermon 265D.6, p. 258-259, n. 9).

Agostinho não endossa a interpretação católica romana. Uma e outra vez ele afirma que a rocha é Cristo, não Pedro. Agostinho não reivindica nenhuma sucessão petrina exclusiva nos bispos romanos e nenhum escritório papal. Karlfried Froehlich resume as opiniões de Agostinho sobre Pedro e a pedra de Mateus 16 nestes comentários:

"A formulação de Agostinho (sobre Mateus 16: 18-19), informada por uma tradicional preocupação norte-africana pela unidade da igreja, que em Pedro unus pro omnibus (um por todos) tinha respondido e recebeu a recompensa, não sugeriu mais do que um leitura figurativa de Pedro como uma imagem da igreja verdadeira. À luz da queda e negação subsequentes de Pedro, o próprio nome foi declarado regularmente como derivado de Cristo, a verdadeira rocha. Agostinho, que seguiu Orígenes nesta suposição, ficou fascinado com a dialética do 'abençoado' Pedro (Mateus 16:17) sendo abordado como 'Satanás' alguns versículos mais tarde. Em Pedro, fraco em si mesmo e forte apenas em sua conexão com Cristo, a igreja podia ver a imagem de sua própria dependência total da graça de Deus.

Agostinho separou rigorosamente o nome da sua explicação: Cristo não disse a Pedro: 'você é a pedra', mas 'você é Pedro'. A igreja não é construída sobre Pedro, mas sobre a única verdadeira pedra, Cristo. Agostinho e os exegetas medievais após ele encontraram o mandado para esta interpretação em 1 Cor. 10: 4. A chave alegórica deste versículo já havia sido aplicada a inúmeras passagens na tradição de testemunho africano anterior. Matt. 16:18 não era exceção. Se a metáfora da rocha não se referisse a uma categoria negativa de rochas 'firmes', tinha que ser lida de forma cristológica" (Karlfried Froehlich, Saint Peter, Papal Primacy, and Exegetical Tradition, 1150-1300, pp. 3, 8-14).

Karl Morrison resume as opiniões de Agostinho sobre a eclesiologia nestas palavras:

"Pedro foi dito ter recebido o poder das chaves, não por direito próprio, mas como representante de toda a Igreja. Sem contestar o primado de honra de Roma, Santo Agostinho afirmou que todos os apóstolos e todos os seus sucessores, os bispos, compartilhavam igualmente os poderes que Cristo concedeu a São Pedro" (Karl Morrison, Tradition and Authority in the Western Church 300-1140 (Princeton: Princeton University, 1969), p. 162).

Reinhold Seeberg, um historiador da Igreja Protestante, faz esses comentários sobre a interpretação de Agostinho a respeito de Pedro, ressaltando que reflete a visão de Cipriano:

"A idéia da Primazia romana também não recebe nenhuma elucidação especial nas mãos de Agostinho. Encontramos um reconhecimento geral do primado da cadeira apostólica, mas Agostinho não conhece nenhuma autoridade especial atribuída a Pedro ou a seus sucessores. Pedro é uma 'figura da igreja' ou 'bons pastores', e representa a unidade da igreja (serm 295.2; 147.2). Neste consiste o significado de sua posição e a de seus sucessores. Todos os bispos (em contraposição das Escrituras) podem errar (unidade Eccl.II.28), assim também o bispo romano. Dogmaticamente, não houve avanço da posição de Cipriano. Os africanos, em suas relações com Roma, desempenharam um pouco o papel do Galicanismo de um período posterior" (Reinhold Seeberg, Text-Book of the History of Doctrines (Grand Rapids: Baker, 1952), Volume I, p. 318-319).

W.H.C. Frend afirma o consenso acerca da eclesiologia de Agostinho e sua interpretação da comissão de Pedro:

"Agostinho rejeitou a idéia de que 'o poder das chaves' tinha sido confiado apenas a Pedro. Seu primado era simplesmente uma questão de privilégio pessoal e não um escritório papal. Da mesma forma, ele nunca censurou os donatistas por não estarem em comunhão com Roma, mas com falta de comunhão com o conjunto apostólico. Sua visão do governo da Igreja era que questões menos importantes deveriam ser resolvidas pelos concílios provinciais, assuntos maiores em concílios gerais" (W.H.C. Frend, The Early Church (Philadelphia: Fortress, 1965), p. 222).

Agostinho é o maior pai e teólogo da era patrística depois de 400 anos de história da Igreja. A constituição da Igreja deveria ter sido uma questão firmemente resolvida, especialmente porque o Vaticano I afirma que os seus ensinamentos e interpretações papais de Mateus 16 foram desde sempre a crença e o ensino da Igreja. Contudo, Agostinho interpreta Mateus 16 de uma maneira protestante e ortodoxa, repudiando explicitamente a interpretação católica romana do Vaticano I. Como explicar isso? O Vaticano I afirma que a rocha de Mateus 16 é a pessoa de Pedro e tem sido a opinião unânime dos pais da Igreja. Então, por que Agostinho tinha uma visão contrária àquilo que era supostamente a opinião universal da Igreja de seu tempo e de toda a história precedente da Igreja? De acordo com Roma, esta passagem contém a chave para a constituição da Igreja dada pelo próprio Cristo, que foi plenamente reconhecida desde o início. Se assim fosse, por que Agostinho contradiz propositalmente a interpretação universal de uma passagem tão fundamental e importante? A resposta, simplesmente, é que os pais não interpretaram a pedra de Mateus 16 como o Vaticano I fez. Agostinho é meramente um representante proeminente da opinião da Igreja como um todo.


Os autores de "Jesus, Peter and the Keys" sugerem que Agostinho inventou uma nova interpretação da rocha de Mateus 16 ao afirmar que a rocha é Cristo. Especificamente, eles afirmam: "St. Agostinho inventou uma nova exegese (de Mateus 16: 18-19) — que a rocha é Cristo" (Scott Butler, Norman Dahlgren, David Hess, Jesus, Peter and the Keys (Santa Barbara: Queenship, 1996), página 252). Esta é uma declaração completamente desinformada. Como vimos esta interpretação foi utilizada por Eusébio no século IV, muitos anos antes de Agostinho.

AMBRÓSIO (ca. A.D. 333—397)

Ambrósio era bispo de Milão na última metade do século IV. Ele foi um dos maiores pais da Igreja Ocidental, o mentor de Santo Agostinho, e universalmente reconhecido como um dos maiores teólogos da era patrística. Ele é um dos poucos pais ocidentais que seria reconhecido teologicamente pela Igreja Católica Romana como Doutor da Igreja. Ele era o principal teólogo e excelente bispo da Igreja Ocidental. Ele é um pai que é freqüentemente citado em apoio à atual interpretação católica romana de Mateus 16:18. A seguinte citação é a que é mais comum em suporte desta visão:

"É para o próprio Pedro que Ele diz: "Tu és Pedro, e sobre essa pedra edificarei a Minha Igreja". Onde está Pedro, está a Igreja" (W.A. Jurgens, The Faith of the Early Fathers (Collegeville: Liturgical, 1979), Volume 2, St. Ambrose, On Twelve Psalms 440, 30, p. 150).

A impressão dada pelos apologistas católicos romanos é que, nestes comentários, Ambrósio apóia a interpretação católica romana de Mateus 16. Eles aplicam a seguinte lógica a sua afirmação: a citação acima parece sugerir que a pessoa de Pedro é a rocha. E como os bispos de Roma são os sucessores de Pedro, são, portanto, por sucessão, as rochas da Igreja. Portanto, de acordo com Ambrósio, a Igreja se baseia no domínio universal dos bispos de Roma. Estar em comunhão com Roma é estar na Igreja. Estar fora da comunhão com Roma é sair da Igreja, pois onde está Pedro (isto é, o bispo de Roma), está a Igreja. É isso que Ambrósio quis dizer? Se tirarmos esta frase de seu contexto e do resto de seus comentários sobre Pedro em outros escritos, certamente podemos inclinar-nos para essa interpretação. No entanto, Ambrósio fez outros comentários sobre Pedro e Mateus 16, que explicam exatamente o que ele quis dizer quando ele disse que Pedro é a rocha. Infelizmente, esses outros comentários são muitas vezes negligenciados nas discussões de apologistas católicos romanos. Muitas vezes, uma citação como essa é dada fora do contexto. O resultado é que uma interpretação é dada as palavras de Ambrósio que é completamente estranho ao seu verdadeiro significado. Isso fica claro após o exame de suas outras declarações:

"Ele, então, que antes ficou em silêncio, para nos ensinar que não devemos repetir as palavras do impío, este, eu digo, quando ele ouviu: 'Mas quem você diz que eu sou', imediatamente, sem deixar de lembrar dele, exerceu o seu primado, isto é, o primado da confissão, não da honra; o primado da crença, não de grau. Este, então, é Pedro, que respondeu pelo resto dos Apóstolos; antes do resto dos homens. E assim ele é chamado de fundamento, porque ele sabe preservar não só o seu próprio, mas o fundamento comum; a fé, então, é o fundamento da Igreja, pois não se falou da carne de Pedro, mas de sua fé, que 'as portas do inferno não prevalecerão contra ela'. Sua confissão de fé conquistou o inferno. E essa confissão não encerrou uma heresia, pois, como a Igreja se parece com um bom navio é muitas vezes golpeada por muitas ondas, o fundamento da Igreja deve prevalecer contra todas as heresias" (The Fathers of the Church (Washington D.C., Catholic University, 1963), Saint Ambrose, Theological and Dogmatic Works, The Sacrament of the Incarnation of Our Lord IV.32-V.34, pp. 230-231).

"Jesus disse a eles: Quem dizem os homens que eu sou? Simão Pedro respondeu: O Cristo de Deus (Lc. Ix.20). Se for suficiente para que Paulo 'não conheça senão Cristo Jesus e Ele crucificado' (1 Cor. II.2), o que mais devo desejar do que conhecer Cristo? Pois neste nome é a expressão de Sua Divindade e Incarnação, e fé em Sua paixão. E, por conseguinte, embora os outros apóstolos soubessem, ainda Pedro responde antes do resto: 'Tu és o Cristo, o Filho de Deus'. Acredite, pois, como Pedro crê, para que também se abençoe, e que você também merece ouvir: 'Porque a carne e o sangue não o revelaram a você, mas o Pai que está nos céus'. Pedro, portanto, não esperou a opinião do povo, mas ele mesmo disse: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo': quem já é, começou a não ser, nem a deixar de ser. Grande é a graça de Cristo, que transmitiu quase todos os seus próprios nomes aos Seus discípulos. 'Eu sou', disse ele, 'a luz do mundo', e ainda com esse mesmo nome em que Ele é glorificado, Ele favoreceu seus discípulos, dizendo: 'Vocês são a luz do mundo'. 'Eu sou o pão da vida'; e 'todos nós somos um único pão' (1 Cor. x.17). Cristo é a rocha, porque 'eles beberam da mesma rocha espiritual que os seguia, e a rocha era Cristo' (1 Coríntios x.4 ); Ele também não negou ao seu discípulo a graça deste nome; para que ele seja Pedro, porque ele tem da rocha (petra) a solidez da constância, a firmeza da fé. Faça um esforço, portanto, para ser uma pedra! Não procure a rocha fora de você, mas dentro de si mesmo! Sua rocha é sua ação, sua rocha é sua mente. Sobre esta rocha, sua casa é construída. A sua rocha é a sua fé, e a fé é o fundamento da Igreja. Se você é uma rocha, você estará na Igreja, porque a Igreja está em uma rocha. Se você estiver na Igreja, as portas do inferno não prevalecerão contra você. Aquele que conquistou a carne é um fundamento da Igreja; e se ele não pode igualar Pedro, ele pode imitá-lo" (Commentary in Luke VI.98, CSEL 32.4).

O que quer dizer Ambrósio quando ele diz que Pedro é o fundamento? No sentido de que ele foi o primeiro a confessar abertamente a fé em Cristo como Messias e Filho de Deus. A pedra não é o próprio Pedro, mas a confissão de fé de Pedro! É essa fé que é o fundamento da Igreja. Pedro possui um primado, mas ele explica que o primado como confissão e fé e não de posição no sentido de governar os outros apóstolos. Assim, quando Ambrósio diz que 'onde Pedro está a Igreja', significa que, onde a confissão de Pedro está, ali também está a Igreja. Isso não diz respeito ao bispo de Roma. Ele continua a dar uma exposição da rocha que remanesce a interpretação de Orígenes, que diz que todos os crentes são rochedos. Como Robert Eno ressalta, quando o contexto geral da afirmação de Ambrósio é levado em consideração, demonstra que a interpretação dada por Fastiggi e outros é uma completa deturpação da afirmação de Ambrose, uma vez que sua afirmação não tem nada a ver com a eclesiologia e a autoridade papal. Robert Eno dá a seguinte explicação:


"Não há dúvida de que Ambrósio honrou a visão romana, mas há outros textos que parecem estabelecer uma certa distância e independência também. Ele comentou, por exemplo, que o primado de Pedro era um primado de confissão, não de honra; um primado de fé, não grau. Finalmente, um outro texto deve ser mencionado em conexão com Ambrósio, pois é um texto que, como 'Roma locuta est', tornou-se um slogan. Como Roger Gryson mostrou, em seu estudo sobre Ambrósio e o sacerdócio, o contexto de tais declarações não tem nada a ver com nenhum tratado sobre eclesiologia. É apenas uma declaração em uma longa cadeia de exegese alegórica começando com a linha de [Ps. 41: 9]: 'Até o meu próprio amigo íntimo em quem eu tanto confiava, e que comia do meu pão, levantou contra mim o seu calcanhar'. Isto não é negar a associação bastante comum de Pedro como o símbolo da Igreja, ou a figura 'ecclesiae' que vimos em Agostinho. Mas diz poucas novidades e nada sobre autoridade papal" (Robert Eno, The Rise of the Papacy (Wilmington: Michael Glazier, 1990), pp. 83-84).

Na visão dos pais, como se vê nos exemplos de Cipriano, Ambrósio e Agostinho, a Igreja não é incorporada em um só indivíduo, mas em uma confissão da verdadeira fé. Onde você tem essa confissão você está com Pedro. Isto é explicitamente indicado, por exemplo, por João Crisóstomo. Como Ambrósio, ele diz que, onde Pedro está, está a Igreja no sentido da confissão de Pedro e não a aplica a Roma, mas a Antioquia: 'Embora não conservemos o corpo de Pedro, conservamos a fé de Pedro e mantendo a fé de Pedro, por isso Pedro está conosco' (On the Inscription of Acts, II. Taken from E. Giles, Documents Illustrating Papal Authority (London: SPCK, 1952), p.168).

É importante notar também que Ambrósio, como Agostinho, separa a confissão de fé de Pedro da própria pessoa de Pedro: "A fé, então, é o fundamento da Igreja, pois não foi dito da carne de Pedro, mas de sua fé, que as portas do inferno não prevalecerão contra ela". Isso demonstra de forma conclusiva a falsidade de algumas afirmações dos apologistas romanos de que os pais não separaram a confissão de Pedro da pessoa de Pedro. Ambrósio fez isso, como fez Agostinho e outros pais da Igreja, como veremos. Esses pais não acreditavam que a Igreja fosse construída sobre a pessoa de Pedro, mas somente em Cristo ou na confissão de fé de Pedro em um sentido secundário. E, em geral, quando os pais afirmam que a Igreja é construída sobre Pedro, significa que ela é construída sobre sua fé. Karlfried Froehlich faz esse adendo em seus comentários sobre a exegese patrística a respeito da rocha de Mateus 16:18:

"A maioria dos exegetas orientais, especialmente após as controvérsias doutrinárias do século IV, como o ponto culminante de vv. 16-17: 'sobre esta pedra' significava 'sobre a fé ortodoxa que você acabou de confessar'. Introduzido no Ocidente por Ambrósio e a tradução dos exegetas antioquinos, esta equação de [Petra = fides] manteve um lugar importante ao lado da alternativa cristológica, ou como sua explicação mais precisa: a rocha da igreja era Cristo, que era o conteúdo da confissão de Pedro" (Karlfried Froehlich, Saint Peter, Papal Primacy, and Exegetical Tradition, 1150-1300, p. 12).


Para Ambrósio, então, a rocha não é Pedro, mas sua confissão de fé. Ele aponta para a pessoa de Cristo como a rocha suprema. Por isso, é possível fazer parecer que Ambrósio detém uma visão particular quando de fato não o faz, ao não apresentar seu ensino completo sobre esse assunto.


JOÃO CRISÓSTOMO

João Crisóstomo foi um pai oriental que viveu durante a segunda metade do século IV. Ele foi sacerdote de Antioquia, bispo de Constantinopla e contemporâneo de alguns dos maiores padres da Igreja na história (como Epifânio, Ambrósio, Agostinho e Jerônimo). Ele foi o escritor mais prolífico dos paises orientais e é considerado por muitos como o maior pregador, comentarista e teólogo da Igreja Oriental. Ele era conhecido como o "pregador de boca de ouro" pela sua eloquência. Ele morreu no exílio em 407. William Jurgens faz esses comentários sobre ele:

"Alguns dirão que João Crisóstomo é incomparável em qualquer lugar, enquanto outros dirão que ele é comparável apenas com Agostinho. Ninguém mais entre os Padres gregos tem tão grande corpo de escritos existentes como o Crisóstomo" (William Jurgens, The Faith of the Early Fathers (Collegeville: Liturgical Press, 1979), Volume 2, pp. 84-86).

Qual foi a visão de Crisóstomo sobre Pedro e sua interpretação da pedra de Mateus 16? Isso coincide com o ensino da primazia papal adotada pela Igreja de Roma? A resposta é não. Os pontos de vista de Crisóstomo são muito semelhantes aos de Agostinho. Como vimos, Agostinho teve uma visão muito elevada de Pedro. Ele o chamou de chefe e primeiro dos apóstolos e ainda afirmou que a rocha não era Pedro, mas Cristo. Uma imagem muito semelhante se apresenta nos escritos de Crisóstomo. Em seu livro "Studies in the Early Papacy", o apologista católico Dom Chapman referiu cerca de noventa citações dos escritos de Crisóstomo, que ele afirma como prova de uma afirmação clara e inequívoca de uma primazina petrina e, portanto, papal. Mas Dom Chapman cometeu um erro primário da historiografia: o de ler os escritos de uma era anterior aos pressupostos e as conclusões de uma idade posterior. Ele assume que, porque um determinado pai faz certas declarações sobre Pedro, ele deve ter um primado de jurisdição em mente e que isso se aplica em seu pensamento ao bispo de Roma, em um sentido exclusivo também. Mas, como já vimos com Agostinho, esse não é o caso. Um exame atento dos comentários de Crisóstomo demonstra que isso também é verdade no caso dele. Como Agostinho, Crisóstomo faz algumas declarações muito exaltadas sobre Pedro:

"Pedro, aquele chefe dos apóstolos, primeiro na Igreja, o amigo de Cristo que não recebeu revelação do homem, mas do Pai, como o Senhor testificou dele, dizendo: 'Bem-aventurado você, Simão, pois a carne e o sangue não revelou isso a você, mas meu Pai que está nos céus': este mesmo Pedro (quando digo 'Pedro', eu nomeio uma rocha inquebrável, uma crista imobilizadora, um grande apóstolo, o primeiro dos discípulos, o primeiro chamado e o primeiro a obedecer), este mesmo Pedro, eu digo, não cometeu uma pequena ferida, mas uma grande. Ele negou o Senhor. Digo isso, não acusando um homem justo, mas oferecendo-lhe a oportunidade do arrependimento. Pedro negou o Senhor e governador do mundo, o salvador de todos" (De Eleemos III.4, M.P.G., Vol. 49, Col. 298)

"Pedro, o coryphaeus do coro dos apóstolos, a boca dos discípulos, o fundamento da fé, a base da confissão, o pescador do mundo, que trouxe a nossa raça desde a profundidade do erro ao céu, quem é em todo lugar fervoroso e cheio de ousadia, ou melhor, de amor do que ousadia" (Hom. de decem mille talentis 3, PG III, 20. Cited by Dom Chapman, Studies in the Early Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 74.).

Estes são títulos exaltados, mas, ao usá-los, Crisóstomo não especifica que Pedro possua um primado de jurisdição na Igreja ou que ele seja a pedra sobre a qual a Igreja é construída. Novamente, já vimos isso em Agostinho. Ele usa linguagem semelhante ao descrever Pedro, mas sem ter um significado católico romano. Sabemos que isso também é verdade para Crisóstomo, porque ele aplica títulos semelhantes aos outros apóstolos e não interpretou a pedra de Mateus 16 sendo Pedro. O termo corypheus, por exemplo, era um título geral aplicado por Crisóstomo a vários apóstolos, e não exclusivamente a Pedro. Ele traz a idéia de liderança, mas não implica jurisdição. Crisóstomo usa esse termo para descrever Pedro, Tiado, João, André e Paulo. Assim como Pedro foi nomeado professor do mundo, também Paulo. Assim como Pedro era o detentor das chaves do céu, assim era o apóstolo João. Ele coloca os apóstolos em pé de igualdade relativo à autoridade:

"Ele pegou o corifeu (plural) e levou-os para uma alta montanha à parte. Por que ele leva estes três sozinhos? Porque eles superaram os outros. Pedro mostrou sua excelência pelo seu grande amor por Ele, João por ser muito amado, Tiago pela resposta: 'Nós somos capazes de beber o cálice' (Homilies on the Gospel of Saint Matthew, Homily 56.2)

"Você não vê que a liderança estava nas mãos desses três, especialmente de Pedro e Tiago? Esta foi a principal causa de sua condenação por Herodes" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XI, Saint Chrysostom, Homilies on the Acts of the Apostles, Homily XXVI, p. 169)

"O coryphaei Pedro, o fundamento da Igreja e Paulo o vaso de eleição" (Contra ludos et theatra 1, PG VI, 265. Cited by Chapman, Studies on the Early Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 76).

"E se alguém disser: 'Como, então, Tiago recebeu a cátedra em Jerusalém?' Eu daria essa resposta, que Ele nomeou Pedro não da cátedra, mas do mundo. E isso Ele fez para retirá-los (Pedro e João) de sua simpatia não razoável um pelo outro; pois eles estavam prestes a receber o cargo do mundo, era necessário que eles não deveriam mais estar intimamente associados" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XIV, Saint Chrysostom, Homilies on the Gospel of John, Homily 1.1, p. 1).

"O Deus misericordioso costuma dar esta honra aos seus servos, para que, pela Sua graça, outros possam adquirir a salvação; como ocorreu com o bendito Paulo, aquele professor do mundo que emitiu os raios de seu ensino em todos os lugares" (Homily 24, On Genesis..Cited by E. Giles, Documents Illustrating Papal Authority (London: SPCK, 1952), p. 165).


Fica claro que a partir dessas afirmações que Crisóstomo, ao mesmo tempo que atribui um grande papel de liderança a Pedro, não considera que ele tenha sido o supremo governante da Igreja. Essas passagens demonstram que os títulos exaltados aplicados a Pedro não foram aplicados exclusivamente a Pedro. Mas essas passagens estão completamente ausentes do trabalho "Jesus, Peter and the Keys". A passagem em que Crisóstomo expele a pedra de Mateus 16 explicando que é a confissão de fé de Pedro também não está incluída. Como os autores deste trabalho afirmam dar uma apresentação verdadeira e equilibrada da perspectiva de Crisóstomo quando eles são culpados de um desprezo tão flagrante e proposital de seus escritos? Há uma passagem em que Crisóstomo afirma que Pedro recebeu autoridade sobre a Igreja:

"Pois aquele que então não se atreveu a questionar Jesus, mas cometeu o cargo a outro, foi confiado a autoridade principal sobre os irmãos." (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XIV, Saint Chrysostom, Homilies on the Gospel of John, Homily 88.1-2, pp. 331-332).

Isso parece indicar que Crisóstomo ensinou que Pedro era o supremo governante da Igreja. No entanto, na passagem citada acima, Crisóstomo fala do apóstolo João como também recebendo a carga do mundo inteiro e as chaves igualmente com Pedro:

"E isso Ele fez para retirá-los (Pedro e João) de sua simpatia não razoável um pelo outro; pois eles estavam prestes a receber o cargo do mundo, era necessário que eles não deveriam mais estar intimamente associados" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XIV, Saint Chrysostom, Homilies on the Gospel of John, Homily 1.1, p. 1).

"Para o Filho do trovão, o amado de Cristo, a coluna da Igrejas em todo o mundo, que segura as chaves do céu" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XIV, Saint Chrysostom, Homilies on the Gospel of John, Homily 1.1, p. 1).

Ele continua falando de que Paulo está em pé de igualdade com Pedro:

"Onde os Querubins cantam a glória, onde os Serafins estão voando, veremos Paulo, com Pedro, e como chefe e líder do coro dos santos, e desfrutará o seu generoso amor. Eu amo Roma mesmo por isso , embora de fato tenha outro motivo para louvar. Não é tão brilhante o céu, quando o sol envia seus raios, assim como a cidade de Roma, enviando essas duas luzes para todas as partes do mundo. De lá será Paulo apanhado, daí Pedro. Apenas pense em você, e estremeça, ao pensar em que Roma verá, quando Paulo surgir de repente desse depósito, juntamente com Pedro, e é levado para encontrar o Senhor. Que rosa enviará Roma a Cristo! Que coroas a cidade terá sobre isso! Com quais cadeias douradas ela será cingida! que fontes possuem! Por isso, admiro a cidade, não pelo muito ouro, nem pelas colunas, nem pela outra exibição, mas por esses pilares da Igreja (1 Cor. 15:38)" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XI, Saint Chrysostom, Homilies on the Epistle to the Romans, Homily 32, Ver. 24, pp. 561-562.).

Além disso, Crisóstomo fala de Tiago, e não de Pedro, como possuindo o principal governo e autoridade em Jerusalém e sobre o Concílio de Jerusalém:

"Este (Tiago) era bispo, como eles dizem, e, portanto, ele fala por último. Não havia arrogância na Igreja. Depois que Pedro e Paulo falam, e ninguém os silencia: Tiago espera pacientemente; não inicia (para a próxima palavra). Nenhuma palavra fala João aqui, nenhuma palavra dos outros apóstolos, mas manteve a paz, pois Tiago foi investido com o principal governo e não pensou nisso. Tão limpa era a alma do amor da glória. Pedro realmente falou com mais força, mas Tiago aqui mais suavemente: pois, portanto, cabe a um em alta autoridade, deixar o que é desagradável para os outros dizerem, enquanto ele mesmo aparece na parte mais amena" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XI, Saint Chrysostom, Homilies on the Acts of the Apostles, Homily 33, pp. 205, 207).

Dom Chapman interpreta estas declarações de forma limitada:

"Obviamente, é Tiago que tem a 'regra' e o 'grande poder' como bispo daqueles fariseus crentes que iniciaram a discussão. Mas a idéia de que ele tinha (governo) sobre Pedro é, de fato, ridícula, e a noção de que ele poderia ser o presidente do concílio certamente nunca ocorreu à mente de Crisóstomo" (Dom John Chapman, Studies on the Early Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 90).

O problema com o que Chapman diz é que isso não é o que Crisóstomo diz. Crisóstomo não diz nada sobre o principal governo de Tiago sendo limitado aos fariseus. Não há uma palavra a respeito dos fariseus. Sua referência ao principal governo é o Concílio geral sobre o qual Tiago presidiu. Quando todas as suas afirmações sobre Pedro, Paulo, Tiago e João são tomadas em conjunto, fica claro que, na mente de Crisóstomo, todos os apóstolos juntaram todos os cuidados do mundo e a liderança da Igreja universalmente. Pedro não possuía um primado de jurisdição, mas de ensinar, o que ele diz é igualmente verdadeiro para João e Paulo:

"E se alguém disser: 'Como, então, Tiago recebeu a cátedra em Jerusalém?' Eu daria essa resposta, que Ele nomeou Pedro não da cátedra, mas do mundo" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XIV, Saint Chrysostom, Homilies on the Gospel of John, Homily 88.1-2, pp. 331-332).

Crisóstomo interpreta as chaves dadas a Pedro como uma autoridade declarativa para ensinar e pregar o evangelho e estender o reino de Deus, não um primado de jurisdição sobre os outros apóstolos:

"Pois o Pai deu a Pedro a revelação do Filho; mas o Filho deu-lhe para semear a do Pai e o de Si mesmo em todas as partes do mundo; e ao homem mortal, confiou a autoridade sobre todas as coisas nos céus, dando-lhe as chaves; que estendeu a Igreja a todas as partes do mundo e declarou que era mais forte do que o céu" (A Library of Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford, Parker, 1844), Homilies of S. John Chrysostom on the Gospel of St. Matthew, Homily 54.3).

Esta autoridade foi partilhada igualmente por todos os apóstolos. Crisóstomo afirma, por exemplo, que João também ocupava a autoridade das chaves e, como Pedro, ele possuía uma autoridade de ensino universal sobre as Igrejas em todo o mundo:

"Para o Filho do trovão, o amado de Cristo, a coluna da Igrejas em todo o mundo, que segura as chaves do céu" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume XIV, Saint Chrysostom, Homilies on the Gospel of John, Homily 1.1, p. 1).

Também é evidente pela exegese de Crisóstomo de Mateus 16 que ele não ensinou que Pedro foi feito soberano supremo da Igreja. Ele não interpretou a pedra de Mateus 16 como sendo a pessoa de Pedro, mas sua confissão de fé, apontando para o próprio Cristo como a pedra e único fundamento da Igreja:


"E eu lhe digo: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja'; isto é, na fé de sua confissão. Por isso, ele quis dizer que muitos estavam a ponto de acreditar, e levanta seu espírito, e o faz um pastor. Porque o Pai deu a Pedro a revelação do Filho; mas o Filho deu-lhe para semear a do Pai e o de Si mesmo em todas as partes do mundo; e ao homem mortal, confiou a autoridade sobre todas as coisas nos céus, dando-lhe as chaves; que estendeu a igreja a todas as partes do mundo e declarou que era mais forte do que o céu" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume X, Saint Chrysostom, Homilies on the Gospel of Saint Matthew, Homily 54.2-3; pp. 332-334).

"Ele fala a partir deste tempo as coisas humildes, a caminho de Sua paixão, para que ele possa mostrar Sua humanidade. Porque aquele que construiu a sua igreja na confissão de Pedro, e a fortificou, que dez mil perigos e mortes não prevaleçam sobre ela" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume X, Chrysostom, On Matthew, Homily 82.3, p. 494).

Crisóstomo argumenta que a rocha não é Pedro, mas a confissão de fé de Pedro em Cristo como o Filho de Deus. Mesmo Dom Chapman é forçado a admitir que Crisóstomo interpretou consistentemente a rocha como a confissão de fé de Pedro:

"A rocha sobre a qual a Igreja deve ser construída é regularmente tomada por São João Crisóstomo para ser a confissão de Pedro, ou a fé que provocou essa confissão" (Dom John Chapman, Studies on the Early Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 77).

É a confissão de Pedro que é o fundamento da Igreja. Pedro não é a base. Segundo Crisóstomo, essa posição pertence apenas a Cristo. Dom Chapman se opõe a isso alegando que, na mente de Crisóstomo, a rocha não é apenas a fé de Pedro, mas também a pessoa de Pedro. Ele cita uma frase em que Crisóstomo fala de Pedro como sendo fortalecido por Cristo para permanecer como uma pedra contra um mundo hostil:

"Por aquelas coisas que são peculiares a Deus somente, (tanto para absolver dos pecados quanto para tornar a igreja incapaz de derrubar em tais ondas assaltantes, e exibir um homem que é um pescador mais sólido do que qualquer pedra, enquanto todo o mundo está em guerra com ele), ele prometeu-se dar; Como o Pai, falando com Jeremias, disse: Ele o faria como 'uma coluna de bronze e como um muro', mas ele apenas a uma nação, este homem em todas as partes do mundo" (A Library of Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford, Parker, 1844), Homilies of S. John Chrysostom on the Gospel of St. Matthew, Homily 54.3).

À luz dessas afirmações, Chapman diz:

"Penso que essa afirmação sozinha teria deixado claro que a rocha é Pedro, na visão de São João, bem como, e por causa disso, a firmeza de sua confissão. Ele não faz ideia das duas noções: 'Pedro é a Rocha' e 'sua fé é a Rocha' sendo mutuamente exclusiva, pois, na verdade, não são" (Dom John Chapman, Studies on the Early Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 79).

Mas esta afirmação é uma falsa representação. Ao exertar a pedra de Mateus 16, antes das afirmações acima, Crisóstomo afirma que Pedro não é a rocha. Nas citações de Chapman, o que Crisóstomo está dizendo é que, assim como o Senhor fortaleceu Jeremias por sua vocação, ele fortaleceria Pedro. Ele diz que será como uma pedra, não que ele seja a pedra de Mateus 16. Isto é muito parecido com a posição de Agostinho sobre Pedro:

"Então o caso que Pedro agora é verdadeiro, ou que Cristo é verdadeiro em Pedro? Quando o Senhor Jesus Cristo desejou, deixou Pedro para si mesmo, Pedro foi encontrado como um simples homem; e quando agradou o Senhor Jesus Cristo, ele encheu Pedro. A Rocha tinha feito o Pedro verdadeiramente firme, pois a Rocha era Cristo" (John Rotelle, The Works of Saint Augustine (Brooklyn: New City, 1992), Sermons, Sermon 147.3, p. 449).

De acordo com Agostinho, a rocha é Cristo e Cristo fez de Pedro uma pedra firme em sua fé. Mas Pedro não é a pedra de Mateus 16. Ele simplesmente deriva força para ser uma rocha da rocha, o próprio Cristo Jesus. E o que é verdade para Pedro se torna verdadeiro para todos os cristãos porque Pedro é um representante figurativo da Igreja. Em contraposição às afirmações de Chapman, os pais, de fato, separam a fé de Pedro da confissão de Pedro, tornando-os mutuamente exclusivos, como vimos com Agostinho e Ambrósio. Embora seja verdade que é a pessoa de Pedro quem faz a confissão, o foco de Crisóstomo não está na pessoa de Pedro, mas na fé de Pedro. Crisóstomo tem uma visão semelhante à de Ambrósio, que referenciamos anteriormente. Ambrósio diz que, onde está Pedro (sua confissão), ali está a Igreja. Crisóstomo afirma o mesmo ponto quando ele diz:

"Pois, embora não conservemos o corpo de Pedro, conservamos a fé de Pedro e, mantendo a fé de Pedro, temos Pedro" (On the Inscription of the Acts, II. Cited by E. Giles, Documents Illustrating Papal Authority (London: SPCK, 1952), p. 168. Cf. Chapman, Studies on the Early Papacy, p. 96).

Ao manter uma visão muito alta do status do apóstolo Pedro, Crisóstomo, como Agostinho, não transferiu esse status para os bispos de Roma. Em seu pensamento, juntamente com Cipriano, Agostinho, Jerônimo e Ambrósio, todos os bispos são sucessores de Pedro. Não há autoridade suprema de um bispo sobre o outro. Em todas as suas observações sobre Pedro, onde Crisóstomo as aplica aos bispos de Roma num sentido exclusivo? Ele nunca faz isso. Ele nunca faz essa aplicação pessoalmente em suas declarações e é historicamente desonesto afirmar que é isso que ele quis dizer quando ele pessoalmente nunca disse. Da mesma forma que Cipriano, Crisóstomo se refere à catedra de Pedro, afirmando que o bispo de Antioquia possui essa cátedra, demonstrando que, em sua mente, todos os bispos legítimos são sucessores de Pedro e não apenas o bispo de Roma:


"Ao falar de S. Pedro, a lembrança de outro Pedro veio a mim, o pai e professor comum, que herdou sua proeza, e também obteve sua cátedra. Pois este é o único grande privilégio de nossa cidade, Antioquia, que recebeu o líder dos apóstolos como professor no começo. Pois era correto que ela, que foi primeiro adornada com o nome dos cristãos diante do mundo inteiro, deveria receber o primeiro dos apóstolos como seu pastor. Mas embora o recebêssemos como professor, não o retivemos até o fim, mas o entregamos à Roma real. Ou melhor, o retivemos até o fim, pois, embora não conservemos o corpo de Pedro, conservamos a fé de Pedro e, mantendo a fé de Pedro, temos Pedro" (On the Inscription of the Acts, II. Cited by E. Giles, Documents Illustrating Papal Authority (London: SPCK, 1952), p. 168. Cf. Chapman, Studies on the Early Papacy, p. 96).

Em seu livro "The Eastern Churches and the Papacy", Herbert Scott faz a afirmação de que João Crisóstomo manteve a visão da primazia papal porque ele expressou pontos de vista exaltados sobre o apóstolo Pedro. Ele faz a suposição de que, como Crisóstomo fala de Pedro em termos exaltados, tais declarações se aplicam aos bispos de Roma em um sentido exclusivo. Mas quando pressionado pela questão de saber se o Crisóstomo realmente faz essa aplicação, Scott é obrigado a essa admissão significativa:

"Concedido que Crisóstomo reitera que Pedro é o Coryphaeus, 'o pastor universal', etc., que evidência existe, é perguntado, que ele reconheceu essas afirmações no Bispo de Roma? Existe alguma coisa em seus escritos para esse efeito? Se se admite que todo esse trabalho por Crisóstomo da honra e poderes de Pedro não exige, por si só, a posição exaltada de seus sucessores como sua explicação, deve-se admitir que há pouco ou nada em seus escritos que afirma, de forma explícita e incontestável, que o Bispo de Roma é o sucessor de São Pedro em seu primado" (S. Herbert Scott, The Eastern Churches and the Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 133).

Em outras palavras, não há provas em nenhum dos escritos de Crisóstomo que ele aplicou suas declarações sobre Pedro aos bispos de Roma. No entanto, Scott sugere que as declarações de Crisóstomo implicam uma interpretação papal para suas palavras. Diz ele:

"Certamente, no entanto, se Pedro é o fundamento da Igreja como Crisóstomo constantemente afirma, e se a Igreja é eterna como o fundador fez, ela deve durar tanto quanto o edifício que foi erguido sobre ela" (S. Herbert Scott, The Eastern Churches and the Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 133).

A lógica empregada aqui por Scott é falha. Crisóstomo nunca fez tal afirmação. De fato, ele explicou o que ele quer dizer quando ele diz que Pedro é a base. Não há razão para supor que Crisóstomo imaginava um escritório papal quando falava de Pedro como o fundamento da Igreja. Observamos claramente as afirmações de Crisóstomo de que ele ensinou que a Igreja foi construída sobre a confissão de fé de Pedro. Pode-se dizer que será construída sobre Pedro apenas no sentido de que ela é construída sobre sua confissão. Os comentários de Crisóstomo dados acima sobre Antioquia demonstram que ele ensina que o fundamento da Igreja é preservado ao longo da história, enquanto a confissão de fé de Pedro é preservada. Não é preservado por ser construído sobre os bispos de Roma como supostos sucessores exclusivos de Pedro, mas sobre a confissão de Pedro. Como disse Crisóstomo: 'Onde se tem a confissão de Pedro, se tem Pedro: 'embora não conservemos o corpo de Pedro, nós conservamos a fé de Pedro e, mantendo a fé de Pedro, mantemos Pedro'" (On the Inscription of the Acts, II. Cited by E. Giles, Documents Illustrating Papal Authority (London: SPCK, 1952), p. 168. Cf. Chapman, Studies on the Early Papacy, p. 96).

No entanto, Scott continua a oferecer o que ele considera uma prova incontestável da expressão do primado papal dos escritos de Crisóstomo:

"Na verdade, existe uma passagem que pode ser uma afirmação categórica do primado do papa: De Sacerdotio 53: 'Por que Cristo derramou Seu Sangue? Para resgatar o rebanho que Ele confiou a Pedro e aos que vieram após ele'. Pode ser instado a que S. Crisóstomo não deve significar mais por isso do que todos aqueles que cuidam das almas. Por outro lado, pode haver uma referência apenas a Pedro e à sua comissão pessoal: 'Apascenta as minhas ovelhas'; e Crisóstomo logo depois cita essas palavras. E quando se lembra de seus comentários sobre eles dados acima, como significando o 'governo' de Pedro e 'governar os irmãos', é pelo menos provável que aqui seja uma referência aos sucessores de Pedro na sede de Roma" (S. Herbert Scott, The Eastern Churches and the Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 133).

Essas afirmações são refutadas por Dom Crisóstomo Baur, o biógrafo católico romano da vida de João Crisóstomo. Ele ressalta que os escritos de Crisóstomo não contêm alusão a um primado papal e que a suposta evidência como atenuada por Scott distorcem seus escritos para dizer o que ele não disse. É para ler uma teologia preconcebida em seus escritos que o próprio Crisóstomo nunca expressou. Comentários de Baur:

"Uma questão mais importante é se Crisóstomo considerou o primado de Pedro como apenas pessoal, ou como um primado oficial, portanto, um arranjo permanente da Igreja e se ele atribuiu o primado de jurisdição também na Igreja aos Bispos de Roma. Crisóstomo nunca fez em suas obras quaisquer deduções questionáveis, nunca passou sentença com palavras claras sobre a jurisdição do Papa. Mesmo P. Jugie admite isso com franqueza. N. Marini, que mais tarde se tornou Cardeal, publicou um livro sobre esta questão. Nisto ele procura, com a ajuda de uma série de citações de Crisóstomo, provar que isso deve passar por provas incondicionais do primado jurisdicional dos sucessores de Pedro em Roma. Seu primeiro argumento é emprestado do Tratado sobre o Sacerdócio. No Livro 2.1, Crisóstomo pergunta: 'Por que Cristo derramou Seu sangue? A fim de resgatar Seu rebanho, que Ele confiou a Pedro e aos que estão após ele'. Marioni traduz aqui 'Pedro e seus sucessores', o que naturalmente facilita sua prova. Mas Crisóstomo realmente se expressou de maneira mais geral, e significa por 'aqueles depois dele' todos os pastores em geral, a quem as ovelhas de Cristo foram confiadas após Pedro.

Portanto, não é praticável interpretar essa passagem tão estreitamente como Marini fez. Ainda menos convincente é a segunda evidência de Marini. Em uma carta que Crisóstomo dirigiu ao Papa Inocêncio a respeito de seu exílio, ele diz que ele ajudaria com prazer a pôr fim ao grande mal, 'pois a disputa se espalhou por quase todo o mundo'. Então, conclui Crisóstomo para a autoridade do Papa em todo o mundo. Então Crisóstomo escreve mais uma vez ao bispo de Tessalônica: 'Não se canses de fazer o que contribui para a melhoria geral da Igreja', e ele elogia o bispo Aurelio de Cartago, porque ele fez tanto esforço e luta pela igrejas do mundo inteiro. Não seria possível a ninguém querer interpretar a partir desta uma prova possível do primado dos bispos de Tessalônica ou de Cartago" (Dom Chrysostumus Baur, O.S.B., John Chrysostom and His Time (Westminster: Newman, 1959), Vol. I, pp. 348-349).

Claramente, Crisóstomo não pode ser citado como um proponente de uma primazia petrina ou papal no sentido católico romano. Michael Winter admite abertamente que os pontos de vista de Crisóstomo, especialmente sua interpretação da rocha de Mateus 16, eram antitéticos aos de Roma e influenciaram muito os pais orientais que o seguiram. Ele afirma que tais pais orientais como Theodoro de Mopsuestia, Palladius de Helenópolis, Theodoro de Ancyra, Basílio of Seleucia e Nilo de Ancyra mantinham uma opinião desfavorável à superioridade de Pedro, uma opinião generalizada no Oriente no primeiro metade do século V:


"A antipatia para com Roma, que encontra seu eco mesmo nas obras de São João Crisóstomo, tornou-se mais pronunciada, já que a Igreja Oriental veio cada vez mais sob o controle do imperador e efetuou sua estimativa de São Pedro. Embora não tenham sido influenciados pela ideia de Eusébio de que a "pedra" da igreja era de Cristo, os antioquinos revelam uma falta de vontade de admitir que Pedro era a rocha. Theodoro de Mopsuestia, que morreu um quarto de século após Crisóstomo, declarou que a pedra em que a igreja foi construída era a confissão de fé de Pedro. A mesma opinião é repetida por Palladius de Helenópolis em seus Diálogos sobre a vida de São João Crisóstomo. Sem elaboração, ele afirma que a pedra em Mateus 16 é a confissão de Pedro. A ausência completa de razões ou argumentos em apoio da contenção é uma indicação de como amplamente a opinião foi aceita naquela data. Tal opinião foi, de fato, realizada também por Theodoro de Ancyra, Basílio of Seleucia e Nilo of Ancyra, na primeira metade do século V. A opinião desfavorável à superioridade de São Pedro ganhou um seguimento considerável em todo o Oriente sob a influência da escola de Antioquia" (Michael Winter, St. Peter and the Popes (Baltimore: Helikon, 1960), p. 73).


TEODORETO DE CIRRO

Theodoret foi o teólogo-líder de Antioquia no século V. Ao interpretar a passagem da pedra de Mateus 16, ele compartilha a opinião dos padres orientais, especialmente a de João Crisóstomo. A "opinião desfavorável à superioridade de São Pedro" na escola de Antioquia mencionada por Winter na citação acima encontra expressão representativa nos seguintes comentários de Teodoreto:

"Que ninguém, então, tolamente possa supor que Cristo seja outro senão o Filho unigênito. Não nos imaginemos mais sábios do que o dom do Espírito. Vamos ouvir as palavras do grande Pedro: 'Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo'. Ouçamos o Senhor Cristo confirmando essa confissão: 'Sobre esta pedra', ele diz: 'Eu construirei minha igreja e os portões do inferno não prevalecerão contra ela'. Portanto, o sábio Paulo, excelente mestre construtor das igrejas, não fixou nenhum outro fundamento. 'Eu', ele diz, 'como prudente construtor, lancei o alicerce e outro está edificando sobre ele. Entretanto, reflita bem cada um como constrói.  Porque ninguém pode colocar outro fundamento além do que está posto, o qual é Jesus Cristo!'. Como, então, eles podem pensar em qualquer outro fundamento, quando eles são convidados a não consertar um alicerce, mas a construir o sobre o qual é colocado? O escritor divino reconhece Cristo como o fundamento e as glórias neste título" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1953), Volume III, Theodoret, Epistle 146, To John the Economus, p. 318).

"Porque ninguém pode colocar outro fundamento além do qual está posto, o qual é Jesus Cristo! É necessário construir, não estabelecer bases. Pois é impossível para aquele que, deseja construir sabiamente algo, venha estabelecer outro fundamento. O abençoado Pedro também estabeleceu esse fundamento, ou melhor, o próprio Senhor. Porque Pedro disse: 'Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo', disse o Senhor: 'Sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja'. Portanto, que não se façam dos homens, pois Cristo é o fundamento" (117Commentary on 1 Corinthians 1,12. Cited by J. Waterworth S.J., A Commentary (London: Thomas Richardson, 1871), p. 149).

"Certamente ele está chamando de piedosa e verdadeira fé a confissão de 'pedra'. Pois, quando o Senhor perguntou a seus discípulos quem o povo disse que Ele era, o abençoado Pedro disse: 'Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo'. O Senhor respondeu: 'Em verdade lhe digo, tu és Pedro e sobre essa pedra, construirei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela'" (Commentary on Canticle of Canticles II.14, M.P.G., Vol. 81, Col. 108).

"Seus fundamentos estão nas montanhas sagradas. As 'fundações' de piedade são preceitos divinos, enquanto as 'montanhas sagradas' sobre as quais esses fundamentos são colocados são os apóstolos do nosso Salvador. O Bem-Aventurado Paulo nos diz sobre esses fundamentos: 'Vocês foram construídos sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, cuja pedra angular é Cristo Jesus'. E novamente ele diz: 'Pedro, Tiago e João, que são vistos como colunas'. E depois de Pedro ter feito essa confissão verdadeira e divina, Cristo lhe disse: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja; e os portões do inferno não prevalecerão contra ela'. E em outro momento, Cristo diz: 'Tu és a luz do mundo, e uma cidade situada sobre uma colina não que pode ser escondida'. Sobre estas montanhas sagradas, Cristo, o Senhor, lançou as bases da piedade" (Commentary on Psalms 86.1, M.P.G., Vol. 80, Col. 1561).

"Por isso, nosso Senhor Jesus Cristo permitiu que o primeiro dos apóstolos, cuja confissão Ele havia confirmado como uma base e fundamento da Igreja, oscilasse para lá e para cá, negar-lhe, e em seguida, levantou-o novamente" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume III, Theodoret, Epistle 77, To Eulalius, p. 273).

Segundo Teodoreto, a pedra é a confissão de fé de Pedro em Cristo, que aponta para Cristo como o fundamento da Igreja. A principal pedra angular é Jesus Cristo e a fundação subsidiária inclui todos os apóstolos igualmente em seus ensinamentos e fé. Ele se refere pessoalmente a Pedro como a base:

"Pois se eles dizem que essas coisas aconteceram antes do batismo, que aprendam que o grande fundamento da Igreja foi abalado e confirmado pela graça divina. Pois o grande Pedro, tendo negado três vezes, permaneceu em primeiro lugar; curado por suas próprias lágrimas. E o Senhor ordenou-lhe que aplicasse a mesma cura aos irmãos: 'E tu', ele diz: 'quando te converteres, confirma teus irmãos'" (Haeret. Fab. Book 5, Chapter 28. Cited by J. Waterworth S.J., A Commentary (London: Thomas Richardson, 1871), p. 152).

Pedro é chamado de fundação por causa de sua confissão de fé. É a sua confissão que é a rocha da Igreja. A rocha e o fundamento são apenas Jesus Cristo. Teodoreto afirma que Pedro é o primeiro entre os apóstolos, mas, como Crisóstomo e Agostinho, esses títulos não possuem um primado jurisdicional único no sentido católico romano. Todos os apóstolos são iguais em autoridade e todos os bispos são sucessores de Pedro. Em uma declaração que lembra Cipriano e Crisóstomo, Teodoreto fala do bispo de Antioquia como possuidor do trono e da autoridade de Pedro, demonstrando que isso não era algo único para a Sé de Roma:

"Dióscoro, no entanto, se recusa a cumprir essas decisões; ele está virando a Sé do abençoado Marcos de cabeça para baixo; e as coisas que ele faz, embora ele saiba perfeitamente que a metropolia antioquina possui o trono do grande Pedro, que era o professor da marca abençoada, e primeiro e coryphaeus dos apóstolos" (Philip Schaff, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1956), Volume III, Theodoret, Epistle 86, To Flavianus, bishop of Constantinople, p. 281).

Em "Jesus, Peter and the Keys", os autores enumeram apenas uma passagem muito curta de Teodoreto, omitindo completamente todas as outras que foram listadas aqui. Essa passagem é a que se referiu acima, em que Pedro é falado como 'o grande fundamento da Igreja'. Como vimos a compreensão de Teodoreto a respeito de Pedro como fundamento deve ser interpretada à luz de seus outros comentários sobre Pedro e sua confissão de fé. Isso é consistente com a visão patrística predominante do Oriente, como já vimos representado por Crisóstomo e no Ocidente por Ambrósio e Agostinho. Mas pode-se facilmente enganar as pessoas se alguém optar por desconsiderar as outras referências e citar apenas aquela que superficialmente parece apoiar a posição de alguém porque fala de Pedro como fundamento. Sem uma leitura adequada desta única passagem no contexto dos outros escritos de Teodoreto, não se pode representar de forma justa e objetiva o que ele realmente ensinou. Ao citar apenas essa passagem, isolada dos outros, os autores de "Jesus, Peter and the Keys" impõem uma teologia papal preconcebida sobre as palavras de Teodoreto, que não era fiel ao seu próprio pensamento. Eles deturparam os escritos deste pai da Igreja e estão em desacordo com seus próprios historiadores. O historiador católico romano, Michael Winter, demonstra que este é o caso quando ele resume os pontos de vista de Teodoreto desta maneira:


"Ele declarou ao mesmo tempo que a rocha como fundamento da igreja era fé, e outro que era Cristo. Em outros lugares ele aplica a noção a todos os apóstolos. É evidente que ele não reconheceu o primado de São Pedro" (Michael Winter, St. Peter and the Popes (Baltimore: Helikon, 1960), p. 74).







CIRILO DE ALEXANDRIA

Cirilo é um dos mais importantes e influentes teólogos da Igreja Oriental. Ele foi bispo de Alexandria na primeira metade do século V, de 412 A.D a 444 A.D. Ele presidiu o Concílio de Éfeso e é considerado o grande defensor da fé ortodoxa contra Nestório. Suas opiniões sobre a rocha de Mateus 16 e os fundamentos da Igreja são inequivocamente apresentadas em seus escritos:

"Por essa razão, a Sagrada Escritura diz que Pedro, essa figura excepcional entre os apóstolos, foi chamado de abençoado. Pois, quando o Salvador estava naquela parte de Cesaréia que se chama Filipo, ele perguntou quem o povo achava que ele era, ou o rumor sobre ele que havia sido espalhado pela Judéia e a cidade que faz fronteira com a Judéia. E, em resposta, Pedro, tendo abandonado as opiniões infantis e abusadas do povo, exclamou com sabedoria: 'Tu és Cristo, Filho do Deus vivo'. Quando Cristo ouviu esta verdadeira opinião dele, confirmou a Pedro dizendo: 'Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela'. O sobrenome, creio eu, não chama nada além da fé inabalável e muito firme do discípulo — uma pedra —, sobre a qual a Igreja foi fundada e permanece continuamente inexpugnável, mesmo em relação aos próprios portões do inferno. Pois a fé de Pedro não foi facilmente alcançada, nem fluíram da apreensão humana; em vez disso, derivou-se da instrução inefável dos céus; uma vez que Deus, o Pai, mostra claramente o seu próprio Filho e causa uma persuasão segura dele nas mentes de seu povo. Porque Cristo não foi de modo algum enganador quando disse: 'A carne e o sangue não revelaram isso a você, mas meu Pai que está nos céus'. Se, portanto, abençoado Pedro, tendo confessado que Cristo era o Filho do Deus vivo, não são muito miseráveis aqueles que riscam a vontade e, sem dúvida, o verdadeiro ensinamento de Deus, que arrastou aquele que procede da própria substância de Deus e faze-o uma criatura, que considera tolamente o autor coeternal da vida para estar entre as coisas que derivou sua vida de outra fonte? Essas pessoas não são, de qualquer modo, muito ignorantes?" (Dialogue on the Trinity IV, M.P.G., Vol. 75, Col. 866).

"Mas por que dizemos que eles são 'fundações da Terra'? Porque Cristo é o fundamento e base inabalável de todas as coisas — Cristo que retém e mantém todas as coisas, para que sejam muito firmes. Sobre ele também todos nós somos construídos, uma casa espiritual, colocada pelo Espírito Santo em um templo sagrado no qual ele próprio habita; por nossa fé ele vive em nossos corações. Mas os próximos fundamentos, os mais próximos de nós, podem ser entendidos como apóstolos e evangelistas, testemunhas oculares e ministros da palavra que surgiram para o fortalecimento da fé. Pois quando reconhecemos que suas próprias tradições devem ser seguidas, servimos uma fé que é verdadeira e não se desvia de Cristo. Pois quando ele confessou com sabedoria a sua fé em Jesus, dizendo: 'Tu és Cristo, filho de Deus vivo', disse Jesus ao divino Pedro: 'Tu és Pedro, e sobre essa pedra, construirei minha Igreja'. Agora, pela palavra 'rocha', Jesus indicou, penso eu, a fé imutável do discípulo. Do mesmo modo, o salmista diz: 'Seus fundamentos são as montanhas sagradas'. De modo geral, os santos apóstolos e evangelistas sejam comparados às montanhas sagradas, pois seu entendimento foi estabelecido como base para a posteridade, de modo que aqueles que haviam sido pegos nas suas redes não entraria em uma falsa fé" (Commentary on Isaiah IV.2, M.P.G., Vol. 70, Col. 940).

"A Igreja é inabalável, e 'as portas do inferno não prevalecerão contra ela', de acordo com a voz do Salvador, pois temos a Ele como fundação" (Commentary on Zacharias. Cited by J. Waterworth S.J., A Commentary (London: Thomas Richardson, 1871), p. 143).


"É provável que, por estas palavras (Is 33:16), nosso Senhor Jesus Cristo é chamado de rocha, em Quem, como uma caverna, a Igreja é concebida como tendo um lugar seguro e inabalável para o seu bem-estar; 'Pois tu és Pedro', diz o Salvador, 'e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja'" (Commentary on Isaiah 3.iii, on Isaiah 28:16. Cited by J. Waterworth S.J., A Commentary (London: Thomas Richardson, 1871), p. 142).

As opiniões de Cirilo são muito semelhantes às de Crisóstomo. Ele identifica a rocha da Igreja como a confissão de fé de Pedro e não a pessoa de Pedro. Ele separa a fé de Pedro da pessoa de Pedro, assim como Agostinho, Crisóstomo e Ambrósio. Todos os apóstolos segundo Cirilo são pastores e fundações. É o ensinamento deles em Cristo que é fundacional e aponta para Cristo como a verdadeira rocha e único fundamento sobre o qual a Igreja é construída. Ele interpreta a pedra de Mateus 16 como sendo Cristo, bem como a confissão de fé de Pedro. Isso equivale ao mesmo fato de que a confissão de Pedro aponta para a pessoa de Cristo. As opiniões de Cirilo são completamente antagônicas para as da Igreja Católica Romana. Ele não é um defensor do ensino da primazia papal. Michael Winter resume os pontos de vista de Cirilo nas seguintes afirmações:

"A teologia de Cirilo de Alexandria sobre a questão de São Pedro lembra de perto a dos padres antioquinos. O trabalho em vida de São Cirilo, para o qual ele é reconhecido pela Igreja, foi a sua defesa da fé ortodoxa contra Nestório, principalmente no Concílio de Éfeso em 431. Essa preocupação com as questões cristológicas influenciou sua exegese do texto de Mateus 16 de uma maneira que é uma reminiscência dos primeiros Padres que estavam escrevendo contra o gnosticismo. Embora ele alude frequentemente ao texto, é a aplicação cristológica que o interessa e a imagem resultante de São Pedro não é conclusiva. Por exemplo, quando, comentando sobre a passagem, ele escreve: 'Então ele também denomina outra honra: 'Sobre esta pedra, construirei minha igreja; e a ti darei as chaves do reino dos céus'. Observe como ele se manifesta sumariamente, Senhor dos céus e da Terra. Ele prometeu fundar a igreja, atribuindo imobilidade a ela, como Ele é o Senhor da força, e sobre isso, ele coloca Pedro como pastor. Então, ele diz: 'E eu te darei as chaves do reino dos céus'. Nem um anjo nem nenhum outro ser espiritual é capaz de falar assim.'

A aplicação a Pedro do título 'pastor' é enganadora, uma vez que o aplica em outro lugar a todos os Apóstolos e, portanto, não pode indicar uma autoridade peculiar para Pedro. Parece ter sido sua opinião consistente que o 'fundamento da rocha' da igreja era a fé inabalável de Pedro. Embora pareça uma pequena questão distinguir a fé de Pedro de sua pessoa na função de ser o fundamento da igreja, parece que Cirilo, de fato, isolou o próprio São Pedro para esse papel e, a esse respeito, ele está de acordo com os antioquinos. A escola de Antioquia (e aqueles que foram influenciados por ela) apresenta um conjunto conflitante de opiniões. São João Crisóstomo e alguns seguidores defendem o primado de São Pedro, enquanto São Cirilo de Alexandria e outros negam" (Michael Winter, St. Peter and the Popes (Baltimore: Helikon, 1960), pp. 74-76).


É significativo que este historiador católico romano seja forçado pela evidência dos escritos de Cirilo a concluir que seu uso da palavra pastor como aplicado a Pedro não implicava qualquer autoridade peculiar a ele e que ele não era um proponente do primado petrino. Na verdade, ele realmente negou isso. Ele lida honestamente com os fatos. Isso não pode ser dito dos autores de "Jesus, Peter and the Keys". Eles dão citações seletivas deste padre, evitando propositadamente aqueles que são desfavoráveis à sua posição. Não há nenhuma tentativa de uma avaliação honesta do que Cirilo realmente quis dizer com as palavras que ele usou levando o leitor a concluir que Cirilo ensinou que Pedro era a rocha e era um defensor de uma primazia no sentido papal pró-romano. Isso não é algo verdadeiro. Os pontos de vista de Cirilo são consistentes com os dos outros principais Pais da Igreja do Oriente e do Ocidente que examinamos. A fé de Pedro é a pedra e o fundamento da Igreja. Ele aponta para a pessoa de Cristo como a verdadeira rocha e única fundação.

Os pontos de vista dos pais citados são representativos dos pais como um todo. Isso pode ser demonstrado pelos exemplos de outros pais importantes, como os seguintes:


HILÁRIO DE POITIERS

Hilário foi consagrado bispo de Poitiers em 350 A.D. Ele é conhecido como "Atanásio do Ocidente" devido à sua firme posição para a ortodoxia de Nicéia em oposição ao Arianismo. Ele morreu em 367-368 A.D. e foi declarado Doutor da Igreja pelo papa Pio IX. Suas opiniões sobre a rocha de Mateus 16 são consistentes com as de Agostinho e Ambrósio:

"A crença de que o Filho de Deus é Filho apenas em nome, e não na natureza, não é a fé dos Evangelhos e dos Apóstolos; pois pergunto: de onde foi que o abençoado Simão Barjonas o confessou: 'Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo'?. E esta é a pedra da confissão sobre a qual a Igreja é construída; que Cristo não deve ser apenas nomeado, mas devemos crer Nele, o Filho de Deus.

Essa fé é aquela que é o fundamento da Igreja; através desta fé, as portas do inferno não podem prevalecer contra ela. Esta é a fé que tem as chaves do reino dos céus. Tudo o que esta fé se ligar ou desligar na terra será ligado ou desligado no céu. A própria razão pela qual ele é abençoado é que ele confessou o Filho de Deus. Esta é a revelação do Pai, este é o fundamento da Igreja, isto é a garantia de sua permanência. Por isso, ela tem as chaves do reino dos céus, daí o juízo no céu e o julgamento sobre a terra. Assim, nosso único fundamento imutável, nossa única e maravilhosa rocha da fé, é a confissão da boca de Pedro. 'Tu és o Filho do Deus vivo!'" (Philip Schaff and Henry Wace, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids: Eerdmans, 1955), On The Trinity, Book VI.36,37; Book II.23; Book VI.20.


JERÔNIMO

Jerônimo é o grande estudioso bíblico da Igreja ocidental da era patrística. Ele passou o seu tempo tanto no Oriente como no Ocidente e era mestre em três línguas: latim, grego e hebraico. Junto com Orígenes, ele é considerado o único verdadeiro estudioso bíblico de toda a era patrística:

"O único fundamento que o arquiteto apostólico colocou é nosso Senhor Jesus Cristo. Sobre este fundamento estável e firme, que foi colocado em terreno sólido, a Igreja de Cristo é construída. Pois a Igreja foi fundada sobre uma rocha; sobre esta pedra, o Senhor estabeleceu sua Igreja; e o apóstolo Pedro recebeu seu nome desta rocha (Mt. 16.18)" (Commentary on Matthew 7.25, M.P.L., Vol. 26, Col. 51. Cited by Karlfried Froehlich, Formen der Auslegung von Matthaus 16,13-18 im lateinischen Mittelalter, Dissertation (Tubingen, 1963).


EPIFÂNIO

Epifânio nasceu na Palestina e foi bispo de Salamina, no Chipre. Ele era um ardente defensor da ortodoxia de Nicéia. Ele dá uma interpretação da pedra de Mateus 16 que é consistente com a exegese geral do Oriente:

"Ele confessou que 'Cristo' é 'o Filho do Deus vivo', e foi dito: 'Sobre esta rocha da firme fé eu construirei minha igreja' — pois ele claramente confessou que Cristo é o verdadeiro Filho" (The Panarion of Epiphanius of Salamis (Leiden: Brill, 1994), Books II and III, Haer. 59.7, 6-8,3, pp. 108-109).


BASÍLIO DE SELÊUCIA

Basílio foi bispo de Selêucia em Isauria. Participou do Concílio de Calcedônia em 451:

"Agora, Cristo confirmou essa confissão de uma pedra, e nomeou aquele que confessou: 'Pedro'. Percebendo a denominação que era adequada ao autor desta confissão. Pois esta é a rocha solene da religião, esta é a base da salvação, este é o muro da fé e o fundamento da verdade: 'Porque ninguém pode colocar outro fundamento além do que está posto, o qual é Jesus Cristo!'. Pois Teu é o poder e a glória para sempre!" (Oratio XXV.4, M.P.G., Vol. 85, Col. 296-297).


PAULO DE EMESA

Paulo foi consagrado bispo de Emesa logo após 410 A.D. Ele participou do Concílio de Éfeso:

"Quem você diz que eu sou? 'Instantaneamente, Corifeu dos apóstolos, a boca dos discípulos, Pedro, disse: 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'. Sobre esta fé a Igreja de Deus foi fundada. Com esta expectativa, nesta pedra, o Senhor Deus colocou os alicerces da Igreja" (Homily of the Nativity. Cited by J. Waterworth S.J., A Commentary (London: Thomas Richardson, 1871), p. 148).







JOÃO DE DAMASCO

A morte de João de Damasco (cerca de 749 A.D.) é considerada como sendo o fim da era patrística. Ele era um padre oriental com reputação de um grande pregador e escritor prolífico. Em seus escritos ele identifica claramente a rocha da Igreja como a pessoa de Cristo ou a fé de Pedro que aponta para Cristo:

"Esta é a imutável e inabalável fé sobre a qual a Igreja é fundada. Contra ela, as portas do inferno, as bocas dos hereges, as máquinas dos demônios — que atacarão — não irão prevalecer. Eles tomarão as armas, mas não a conquistarão!" (Homily on the Transfiguration, M.P.G., Vol. 96, Col. 554-555).

"Esta pedra era Cristo, o Verbo de Deus encarnado, o Senhor; pois Paulo claramente nos ensina: 'A rocha era Cristo' (1 Coríntios 10:4)" (Homily on the Transfiguration, M.P.G., Vol. 96, Col. 548).

A evidência apresentada sobre a história da exegese patrística de Mateus 16 é semelhante para Lucas 22:32 e João 21:15-17. Esta evidência revela que os Pais da Igreja não interpretaram essas passagens a favor de um primado romano pessoal ou infalibilidade papal. Não existe uma exegese patrística de Mateus 16:18 ou Lucas 22:32 implicando que os bispos de Roma são infalíveis.




DECLARAÇÕES DOS HISTORIADORES

Os seguintes comentários dos escritos dos principais historiadores católicos, ortodoxos e protestantes resumem a compreensão patrística da pessoa de Pedro e da rocha de Mateus 16 e confirmam o que foi dito acima.


BRIAN TIERNEY

Brian Tierney é um estudioso medieval de renome mundial. Ele dá a seguinte análise da interpretação medieval de Lucas 22, que foi fundamentada na interpretação patrística, conforme documentado por Froehlich. Ele demonstra que a doutrina da Infalibilidade Papal era desconhecida na era patrística e medieval:

"O texto bíblico mais comumente citado a favor da Infalibilidade Papal é Lucas 22:32. Não há falta de comentários patrísticos sobre o texto. Nenhum dos Pais da Igreja interpretou isso no sentido de que os sucessores de Pedro eram infalíveis. Nenhum argumento convincente já foi apresentado explicando porque eles deveriam ter afirmado que o texto implicava uma doutrina da Infalibilidade Papal se isso fosse o que eles entenderam. Novamente, é difícil para nós sabermos exatamente o que os homens dos séculos sexto e sétimo entenderam por fórmulas como as de Hormisdas e Agatho. Mas sabemos que o concílio geral que aceitou a fórmula de Agatho também anatematizou o antecessor de Agatho, o Papa Honório, com o argumento de que ele 'seguiu as opiniões do herege Sérgio e confirmou seus dogmas impíos'. O sucessor de Agatho, o Papa Leão II, confirmando a decretos do concílio, acrescentou que Honório 'não iluminou a visão apostólica, mas, por um ato de traição, esforçou-se para subverter sua fé imaculada'. Tudo o que os padres do concílio puderam dar a entender com a fórmula é que eles aceitaram sobre a infalível fé da tradição apostólica; seu significado pode ter tido pouca ou quase nenhuma conexão com a doutrina moderna da Infalibilidade Papal" (Brian Tierney, Origins of Papal Infallibility (Leiden: Brill, 1972), pp. 11-13).

Luis Bermejo é um jesuíta espanhol que lecionou teologia no Pontifício Ateneu em Puna, na Índia, nos últimos trinta anos. Em um livro recentemente publicado (1992), ele dá o seguinte argumento convincente sobre a confirmação da pesquisa histórica de Brian Tierney:

"A meu ver, ninguém parece ter desafiado a afirmação de Tierney de que todo o primeiro milênio é totalmente silencioso sobre a Infalibilidade Papal e que, portanto, a disputa do Vaticano I sobre as raízes iniciais da doutrina é difícil de ser mantida. Praticamente, a única objeção de alguma relevância levantada contra Tierney parece ser a sua interpretação dos decretistas do século XII: o futuro dogma do Vaticano I conveio implicitamente neles? Mesmo após a concessão, por razões argumentativas, — algo que Tierney não concede de forma alguma — o obstáculo formidável do primeiro milênio permanece intacto. Na minha opinião, seus críticos dispararam suas armas em um alvo secundário (os decímetros e teólogos medievais) deixando o silêncio perturbador do primeiro milênio fora de consideração. Ninguém parece ter sido capaz de adotar qualquer prova documental para mostrar que esse longo silêncio era ilusório, que a doutrina era — pelo menos implicitamente — já conhecida e praticada nos primeiros séculos. Não é fácil ver como uma dada doutrina pode ser mantida para ser de origem apostólica quando mil anos de tradição não o fazem eco de forma alguma." (Luis Bermejo, Infallibility on Trial (Westminster: Christian Classics, 1992), pp. 164-165).


JAROSLAV PELIKAN

Pelikan fornece esta visão geral da compreensão da Igreja Oriental sobre a rocha e Pedro em Mateus 16:16-19:

"A identificação dos portões do inferno com as grandes heresias dos séculos segundo, terceiro e quarto foi geralmente aceita. Contra esses portões do inferno não só o apóstolo Pedro, mas todos os apóstolos, especialmente João, haviam confessado com sucesso a autoridade da Palavra de Deus. De fato, o poder das chaves conferidas a Pedro por Cristo em Mateus 16:19 não se restringiu nem a ele nem aos seus sucessores no trono do Velho Roma; todos os bispos da igreja eram imitadores e sucessores de Pedro. Eles tinham esse status como adeptos ortodoxos da confissão de Pedro em Mateus 16:16: 'Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo'. Ao unir a promessa nos seguintes versículos com essa confissão, foi possível admoestar os crentes ortodoxos para 'correr à fé desta firme rocha, e acreditemos que Cristo é Deus-Homem'. O fundamento inabalável da igreja era a rocha sendo Cristo, mas, ao mesmo tempo, Pedro poderia ser chamado de 'fundamento e apoio da nossa fé'. E foi, principalmente por causa de sua confissão, que foi repetida por todos os verdadeiros crentes. Foi uma extensão polêmica desta tendência grega geral quando um tratado posterior, falsamente atribuído a Fócio, afirmou categoricamente que a rocha na promessa de Cristo era a confissão de Pedro em vez de sua pessoa.

Assim, Pedro foi o fundamento da Igreja, de modo que quem acreditava como ele acreditava não se desviaria. Mas, para a maioria dos teólogos gregos, Pedro estava acima de tudo; 'o chefe dos teólogos' — por causa de sua confissão. Todos os títulos de primado, como base em 'líder dos discípulos', pertenciam a ele como teólogo. A Igreja deveria ser construída sobre a rocha, em Cristo; a pedra angular, na qual Pedro, como corifeu dos discípulos do Logos, também tinha sido construído: 'construído, isto é, pelos sagrados e divinos dogmas'. A Primazia pertencia a Pedro em por conta de sua confissão, e aqueles que confessaram que Cristo era o Filho do Deus vivo, como ele havia feito, eram os beneficiários da promessa de que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Igreja construída sobre a rocha" (Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: A History of the Development of Doctrine (Chicago: University of Chicago, 1974), Volume Two, pp. 160-161).


JOHANN JOSEPH IGNAZ VON DOLLINGER

Dollinger ensinou sobre a História da Igreja como católico romano durante 47 anos no século XIX e foi um dos maiores e mais influentes historiadores da Igreja de sua época. Ele resume a compreensão oriental e ocidental de Mateus 16 no período patrístico:

"Nos três primeiros séculos, Santo Irineu é o único escritor que liga a doutrina à superioridade da Igreja Romana; mas ele coloca essa superioridade, justamente entendida, apenas em sua antiguidade, sua dupla origem apostólica e, na circunstância da tradição pura, ser guardada e mantida ali através do constante contato com os fiéis de todos os países. Tertuliano, Cipriano, Latâncio, não sabem nada a respeito da prerrogativa papal especial ou de qualquer direito superior ou supremo de decidir em matéria de doutrina. Nos escritos dos Doutores Gregos, Eusébio, Santo Atanásio, São Basílio o Grande, os dois Gregórios e Santo Epifânio, não há uma palavra de prerrogativas do bispo romano. O mais prolífico dos Padres gregos, São João Crisóstomo, é completamente silencioso sobre o assunto, assim como os dois Cirilos; igualmente silenciosos são os latinos, Hilário, Paciano, Zenon, Lúcifer, Sulpício e Santo Ambrósio.

Santo Agostinho escreveu mais sobre a Igreja, sua unidade e autoridade, do que todos os outros Padres juntos. No entanto, de todas as suas numerosas obras, preenchendo dez folios, apenas uma frase, em uma letra, pode ser citada, onde ele diz que o principado da cátedra apostólica sempre esteve em Roma — o que, claro, pode ser dito então igualmente a Antioquia, Jerusalém e Alexandria. Qualquer leitor de sua Carta Pastoral aos Donatistas separados sobre a unidade da Igreja, deve achar inexplicável que nestes setenta e cinco capítulos não existe uma única palavra sobre a necessidade de comunhão com Roma como o centro da unidade. Ele pede todos os tipos de argumentos para mostrar que os donatistas são obrigados a retornar à Igreja, mas da cadeira papal, como uma delas, ele não diz uma palavra. Temos uma literatura abundante sobre as seitas e heresias cristãs dos primeiros seis séculos — Irineu, Hipólito, Epifânio, Filtasto, Santo Agostinho e, mais tarde, Leôncio e Timóteo — que contrabilizam o número de oitenta, mas ninguém foi censurado ao rejeitar a autoridade do Papa em matéria de fé.


Tudo isso é suficientemente inteligível, se olharmos a interpretação patrística das palavras de Cristo para São Pedro. De todos os Pais que interpretam essas passagens nos Evangelhos (Mt. xvi.18, João xxi.17), nenhum deles aplica isso aos bispos romanos como sucessores de Pedro. Quantos Padres se ocuparam desses textos, mas nenhum deles cujos comentários que possuímos — Orígenes, Crisóstomo, Hilário, Agostinho, Cirilo, Teodoreto e outros — deixaram a menor idéia de que o primado de Roma é a conseqüência da comissão e promessa a Pedro! Nenhum deles explicou a rocha ou o fundamento sobre o qual Cristo construirá Sua Igreja como sendo o ofício dado a Pedro para ser transmitido aos seus sucessores, mas eles entenderam por Ele mesmo, o próprio Cristo, ou a confissão de fé de Pedro em Cristo; muitas vezes ambos. Ou então eles pensavam que Pedro era o fundamento igualmente com todos os outros Apóstolos, sendo os doze juntos as bases da Igreja (Apoc. Xxi.14). Os Pais poderiam pelo menos reconhecer o poder das chaves e o poder de ligar e desligar, qualquer prerrogativa especial ou senhoria do bispo romano, na medida em que — o que é óbvio para qualquer um à primeira vista — eles não consideravam um poder dado primeiramente a Pedro, e depois conferido precisamente as mesmas palavras à todos os Apóstolos, como qualquer coisa peculiar a ele, ou hereditária na linha dos bispos romanos, e eles mantiveram o símbolo das chaves como significando o mesmo que a expressão figurativa de ligar e desligar" (Janus (Johann Joseph Ignaz von Dollinger), The Pope and the Council (Boston: Roberts, 1869), pp. 70-74).


KARLFRIED FROEHLICH

Karlfried Froehlich, um dos mais importantes estudiosos da época medieval e patrística ainda vivos, escreveu sua dissertação de Ph.D. sobre a história da exegese patrística e medieval de Mateus 16. Ele confirma os fatos mencionados acima ao discutir a história da exegese dos textos petrinos, demonstrando como os teólogos medievais interpretaram Mateus 16 em harmonia com uma clara tradição patrística contrária ao ponto de vista católico romano:

"Três textos bíblicos tradicionalmente foram citados como o fundamento religioso do primado papal: Matt. 16: 18-19; Lucas 22:32; e João 21: 15-17. A combinação das três passagens em apoio ao argumento primacial remonta à história do papado romano. Leão I e Gelásio parecem ter sido os primeiros a usar. No entanto, seria um erro assumir que a interpretação papal era a exegese padrão em todos os lugares. Muito pelo contrário, a compreensão desses textos petrinos pelos exegetas bíblicos na corrente principal da tradição não eram universalmente prioritários antes do Inocêncio III.

Talvez o caso mais instrutivo seja o de Mateus 16:18-19. É bastante claro para os exegetas modernos que as três partes da passagem, a doação de nomes, a interpretação por parte da palavra de Jesus sobre a fundação da igreja sobre a rocha e a promessa das chaves, falam sobre a pessoa de Pedro, mesmo que a natureza de sua prerrogativa e a aplicação a qualquer sucessor sejam anuladas. A interpretação medieval mostra uma imagem muito diferente. A atribuição dos nomes (v. 18a) foi geralmente considerada como a resposta de Jesus à confissão de Pedro, que, como o contexto sugerido para os exegetas medievais, Pedro havia proferido Unus pro omnibus  (um por todos). Seguindo Orígenes, Crisóstomo e Jerônimo, os exegetas assumiram amplamente que, em Pedro, a recompensa pela confissão correta a Cristo, o Filho de Deus foi dado a todos os verdadeiros crentes; todos os cristãos mereceram ser chamados de 'petra'. Mesmo a formulação de Agostinho, informada por uma preocupação tradicional norte-africana pela unidade da igreja, que em Pedro unus pro omnibus (um por todos) havia respondido e recebido a recompensa, não sugeriu mais do que uma leitura figurativa de Pedro como uma imagem da verdadeira Igreja. À luz da queda e negação subsequentes de Pedro, o próprio nome foi declarado regularmente como derivado de Cristo, a verdadeira rocha. Agostinho, que seguiu Orígenes nesta suposição, ficou fascinado com a dialética do 'abençoado' Pedro (Mateus 16:17) sendo abordado como 'Satanás' alguns versos mais tarde (v. 23). Em Pedro, fraco em si mesmo e forte apenas em sua conexão com Cristo, a Igreja podia ver a imagem de sua própria dependência total da graça de Deus.

Agostinho separou rigorosamente a nomeação em sua explicação: Cristo não disse a Pedro: 'Tu és a pedra', mas 'Tu és Pedro'. A Igreja não é construída sobre Pedro, mas sobre a única verdadeira pedra, Cristo. Agostinho e os exegetas medievais após ele encontraram o mandado para esta interpretação em 1 Cor. 10: 4. A chave alegórica deste versículo já havia sido aplicada a inúmeras passagens sobre a pedra na tradição bíblica. Mateus 16:18 não era exceção. Se a metáfora da rocha não se referisse a uma categoria negativa de rochas 'firmes', então tinha que ser lida de maneira cristológica.

O mesmo resultado foi obtido quando os exegetas se concentraram na imagem da 'construção da Igreja'. A metáfora da rocha em Mateus 16:18 enfatizou a firmeza da base da Igreja. Mas a própria imagem fundamental — fundamentalum ecclesiae — foi claramente explicada em outra passagem fundamental do Novo Testamento: 'Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo' (1 Coríntios 3:11). A mesma interpretação do 'firme fundamento' de Cristo parecia inevitável quando os exegetas associavam a Mateus 16:18 com a parábola de Jesus de Mateus 7:24 que falou da construção de uma casa em um terreno firme. A tradição exegética desde Orígenes e o Opus imperfectum in Matthaeum identificou a casa com a Igreja de modo que o sábio mestre construtor tenha que ser o Cristo que constrói a Igreja sobre a firme pedra. Mesmo em uma interpretação moral secundária que explicou o mestre construtor como o cristão virtuoso, a imagem do fundamento forte foi invariavelmente cristologizada, muitas vezes com referência direta a 1 Cor. 3:11 e 10: 4, ou mesmo Mat. 16:18. Um bom cristão deve construir a casa de sua vida em Cristo. Aplicado às imagens de Matt. 16:18, o escopo final da parábola de Jesus novamente reforçou uma leitura cristológica: a casa do sábio mestre construtor, ensinou Jesus, firme contra todos os ataques de vento, inundação e clima. O paralelo a Mat. 16: 18c era muito óbvio para o intérprete: se as portae inferi (portas do inferno) não podem prevalecer contra ela, a Igreja deve, de fato, ser construída sobre a única pedra que não pode ser movida, Cristo.

A lógica desses textos paralelos deve ter parecido inevitável aos exegetas medievais. Em nenhuma das construções bíblicas e as passagens sobre a fundação que foram entendidas como se referindo à Igreja em Mat. 16:18 como uma chave hermenêutica que sugeriria Pedro como a base. Pelo contrário, o claro significado petrino do verso foi silenciado pelo peso dos paralelos cristológicos. Na exegese medieval, essas chaves governavam não apenas todas as referências à construção da Igreja no Novo Testamento, mas também as suas prefigurações do Antigo Testamento: Cristo foi o fundamento da Igreja prefigurada no templo de Salomão (1 Reis 5ss), na casa que a Sabedoria construiu para si mesma (Prov. 9), e nas imagens de fundação cosmológica dos Salmos (Salmo 76:69; 86: 1; 101: 26; 103: 5 etc.). A maioria dos exegetas orientais, especialmente após as controvérsias doutrinárias do século IV, como o ponto culminante de Mateus 16: 'sobre esta pedra' significava 'sobre a fé ortodoxa que você acabou de confessar'. Introduzido no Ocidente por Ambrósio e a tradução dos exegetas antiquinos, esta equação [petra = fides] manteve um lugar importante ao lado da alternativa cristológica, ou como sua explicação mais precisa: a rocha da Igreja era Cristo, que era o conteúdo da confissão de Pedro.

A tradição catequética norte-africana, por outro lado, entendeu a palavra sobre Pedro, a rocha da igreja, como prefácio ao v. 19: Pedro era a rocha, porque recebeu as chaves do reino, que significava o exercício da Igreja de disciplina penitencial. Tertuliano, no entanto, considerava o Pedro de Matt. 16: 18-19 como representante de toda a igreja ou, pelo menos, membros 'espirituais'. Cipriano o entendia como simbolizando a unidade de todos os bispos, os principais delegados da penitência.

Uma falta básica do contexto primitivo também caracteriza a tradição exegética sobre as 'chaves do reino dos céus' (Mateus 16:19). Mais uma vez, a principal razão pode ser procurada na influência dos paralelos bíblicos. Nos comentários patrísticos, as chaves foram entendidas como autoridade penetrante, principalmente o poder sacerdotal da excomunhão e da reconciliação. Esse entendimento foi nutrido pelas passagens paralelas de Mat. 18:18 e especialmente João 20:23, onde 'ligar e desligar' pareciam ser explicados como a retenção e indulgência dos pecados. Ambos os textos, no entanto, estenderam esse poder além do único Pedro para todos os apóstolos. Assim, os exegetas foram confrontados com o fato de que 'o que foi concedido a Pedro, também foi dado a todos os apóstolos'.


Agora podemos resumir nossas descobertas. A história exegética anterior de Mat. 16: 18-19, Lucas 22:32 e João 21: 15-17 foi em grande parte desassociada com a interpretação primacial dessas passagens, que teve uma longa história entre os escritores papais desde o quinto, talvez até o terceiro século. O mainstream da exegese seguiu uma agenda definida por precedentes patrísticos, especialmente Agostinho, mas também outros padres ocidentais. No caso de Mat. 16: 18-19, a tradição foi dominada pela interpretação cristológica da 'rocha' da Igreja, alimentada por poderosos paralelos bíblicos como 1 Cor. 10: 4, Matt. 7: 24-25 e 1 Cor. 3:11. Para Lucas 22:32, a tradição centrou-se no contexto da paixão de Jesus e da negação de Pedro, aplicando o verso de forma tropológica ao tema do 'humilde prelado'. No caso de João 21: 15-17, a interpretação tradicional desenhou a imagem bíblica de rebanhos e pastores como uma metáfora do 'cura pastoralis' na igreja e viu no texto uma lição sobre as qualidades de um 'bom prelado'. (Karlfried Froehlich, Saint Peter, Papal Primacy, and Exegetical Tradition, 1150-1300, pp. 3, 8-14, 42. Taken from The Religious Roles of the Papacy: Ideals and Realities, 1150-1300, ed. Christopher Ryan, Papers in Medieval Studies 8 (Toronto: Pontifical Institute of Medieval Studies, 1989).


JOHN MEYENDORFF

John Meyendorff documenta a exegese consensual de Mateus 16 e sua visão da eclesiológica:

O papado reformado do século XI usou uma antiga tradição ocidental de exegese quando aplicava sistematicamente e legalmente as passagens sobre o papel de Pedro (especialmente Mt. 16:18, Lc 22:32 e Jn 21: 15- 17) ao bispo de Roma. Esta tradição não foi compartilhada pelo Oriente. 

Após o cisma entre o Oriente eo Ocidente, os estudiosos e prelados gregos mantiveram a tradição dos Padres sem a menor alteração. Orígenes é o professor comum dos Padres gregos no campo dos comentários bíblicos. Orígenes dá uma extensa explicação sobre Mateus 16:18. Ele interpreta corretamente as famosas palavras de Cristo como conseqüência da confissão de Pedro na estrada de Cesaréia: Simão tornou-se a Rocha em que a Igreja é fundada, porque expressou a verdadeira crença na divindade de Cristo. Assim, de acordo com Orígenes, todos os salvos pela fé em Jesus Cristo recebem também as chaves do Reino: em outras palavras, os sucessores de Pedro são todos os crentes. 'Se também dissermos' ele escreve: 'Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo, então também nos tornamos Pedro; pois quem imita a Cristo, torna-se a Rocha. Cristo entregaria as chaves do reino apenas a Pedro, enquanto outras pessoas abençoadas não podem recebê-las?'

Esta mesma interpretação prevalece implicitamente em todos os textos patrísticos que tratam de Pedro: os grandes Capadócios, São João Crisóstomo e Santo Agostinho concordam em afirmar que a fé de Simão permitiu que ele se tornasse a Rocha em que a Igreja se fundou e, em certo sentido, todos aqueles que compartilham a mesma fé são seus sucessores. Essa mesma idéia é encontrada em escritores bizantinos posteriores. 'O Senhor dá as chaves a Pedro', diz Teófanes Querameu, um pregador do século XII, 'e a todos aqueles que se assemelham a ele, de modo que os portões do Reino dos céus permaneçam fechados para os hereges, mas são facilmente acessíveis aos fiéis'.

Por outro lado, uma tradição patrística muito clara vê a sucessão de Pedro no ministério episcopal. A doutrina de São Cipriano de Cartago sobre a 'Sé de Pedro' como presente em todas as igrejas locais, e não só em Roma, é bem conhecida. Também é encontrado no Oriente, entre pessoas que certamente nunca leram 'Da Unidade da Igreja' de Cipriano, mas que compartilham sua idéia principal, testemunhando isso como parte da tradição católica da Igreja. Uma análise minuciosa certamente mostraria que essa tradição é persistente e, de fato, ela pertence à essência da Eclesiologia ortodoxa para considerar qualquer bispo local como o professor de seu rebanho e, portanto, para cumprir sacramentalmente, através da sucessão apostólica, do ofício do primeiro verdadeiro crente, Pedro" (John Meyendorff, St. Peter in Byzantine Theology. Taken from The Primacy of Peter (London: Faith, 1963), pp. 7-29).


YVES CONGAR

Yves Congar é um dos historiadores e teólogos católicos mais influentes deste século. Ele faz as seguintes afirmações sobre a eclesiologia da Igreja Oriental e sobre a compreensão patrística da rocha de Mateus 16:

"Muitos dos Pais orientais que são precisamente reconhecidos como os maiores e os mais representativos e, além disso, são considerados pela Igreja universal, mas ainda sim não nos oferecem mais provas do primado. Seus escritos mostram que eles reconheceram o primado do apóstolo Pedro, que eles consideraram a Sé de Roma como uma das principais sedes que desempenham um papel importante na comunhão católica — estamos lembrando, por exemplo, os escritos de São João Crisóstomo e de São Basílio que se dirigiram a Roma no meio das dificuldades do cisma de Antioquia — mas não nos fornecem nenhuma declaração teológica sobre o primado universal de Roma pelo direito divino. O mesmo pode ser dito de São Gregório Nazianzeno, São Gregório de Nyssa, São Basílio, São João Crisóstomo e São João Damasceno" (Yves Congar, After Nine Hundred Years (New York: Fordham University, 1959), pp. 61-62).

"Às vezes acontece que alguns Padres entendiam uma passagem de uma maneira que não coincide com o ensino posterior da Igreja. Um exemplo: a interpretação da confissão de Pedro em Mateus 16: 16-19. Exceto em Roma, esta passagem não foi aplicada pelos Padres à primazia papal; eles elaboraram uma exegese ao nível de seu próprio pensamento eclesiológico, mais antropológico e espiritual do que jurídico" (Yves Congar, Tradition and Traditions (New York: Macmillan, 1966), p. 398).


PIERRE BATIFFOL

Batiffol também afirma o fato de que a Igreja Oriental, historicamente, nunca abraçou a Eclesiologia do primado romano:

"Eu acredito que o Oriente teve uma concepção muito pobre do primado romano. O Oriente não viu nisso o que a própria Roma viu e o que o Ocidente viu em Roma, isto é, uma continuação do primado de São Pedro. O bispo de Roma foi mais do que o sucessor de Pedro em sua catedra, ele foi perpetuado por Pedro, investido com a responsabilidade e o poder de Pedro. O Oriente nunca compreendeu essa perpetuidade. São Basílio ignorou-o, assim como São Gregório de Nazianzo e São João Crisóstomo. Nos escritos dos grandes padres orientais, a autoridade do bispo de Roma é uma autoridade de grandeza singular, mas nesses escritos não se encontra uma consideração pelo direito divino" (Cited by Yves Congar, After Nine Hundred Years (New York: Fordham University, 1959), pp. 61-62).



CONCLUSÃO

A partir da documentação primária dos escritos dos Pais da Igreja e dos comentários dos historiadores da Igreja, podemos resumir a compreensão patrística de Pedro e da rocha de Mateus 16. De um modo geral, os Pais viram a pedra e o fundamento da Igreja como a pessoa de Cristo, ou a confissão de fé de Pedro que apontou para Cristo. Às vezes eles falam de Pedro como a rocha ou fundação no sentido de que ele é o exemplo da fé verdadeira — que ele exemplificou a fé. Mas eles não ensinam que ele é representante de um escritório papal ou que a Igreja foi construída sobre ele em um sentido legalista. Eles também viram Pedro figurativamente como representante da unidade de toda a Igreja. O que Cristo falou com Pedro, ele falou à Igreja como um todo e o que foi dado a Pedro foi dado a todos os apóstolos e através deles a toda a Igreja. As chaves são uma autoridade declarativa para ensinar a verdade, pregar o evangelho e exercer disciplina na Igreja.

Embora os Pais falassem em termos muito exaltados sobre o apóstolo Pedro, seus comentários não foram aplicados em sentido exclusivo ao bispo de Roma, nem viram os bispos romanos como uma jurisdição universal sobre a Igreja. Embora tenham visto os bispos de Roma como sucessores de Pedro, eles não os viram como sucessores exclusivos de Pedro, nem como os governantes universais da Igreja, nem a Sé de Roma como a única Sé Apostólica. Os católicos romanos assumem que, quando um Pai da Igreja fala de Pedro, ele também está falando sobre os bispos de Roma, mas esse não é o caso. Isso é para ler uma teologia preconcebida em seus escritos. Os Pais ensinam que todos os bispos são sucessores de Pedro. Na interpretação de Mateus 16, Lucas 22 e João 21, não encontramos nenhuma afirmação do ensino do Vaticano I sobre jurisdição papal ou infalibilidade.


Isso revela dois pontos importantes tanto da perspectiva teológica como histórica. Teologicamente, não há evidência de consenso patrístico para apoiar a interpretação papal do Vaticano I de Mateus 16: 18-19 que equipara a rocha com a pessoa de Pedro, atribuindo a ele e aos bispos romanos o lugar de preeminência do domínio na Igreja através da autoridade das chaves. O apelo da Igreja Católica Romana ao 'consenso universal dos Padres' para sustentar sua exegese de Mateus 16 é falaciosa. Tal consenso não existe. A interpretação de Mateus 16:18 pelos principais Pais da era patrística tanto do Oriente como do Ocidente demonstra que a grande maioria da visão da Igreja historicamente não é a Igreja Católica Romana de hoje. O fato é que, além dos próprios papas — começando no final do século IV — e com aqueles que têm interesse em promover o papado, a interpretação romana de Mateus 16: 18-19 tem sido historicamente rejeitada universalmente pela Igreja, tanto no Oriente e Ocidente. E o que é verdadeiro na história exegética é verdadeiro também na prática histórica. É claro a partir da história da Igreja, nas atitudes e ações dos Concílios gerais e com os Pais individuais em seus tratos com os bispos de Roma, que na era patrística, a Igreja nunca operou com base em um primado romano universal ou na crença na infalibilidade papal.


Tradução: Felipe Rotta.