A vida cristã é fundada no fato da encarnação de Deus. Em nossa carne, criada por Ele, Ele manifestou Sua perfeição pré-eterna, permitindo-nos assim julgar até que ponto não conseguimos atingir a Estatura de Deus ou abordar o Seu Ser supremo. Se nos assemelharmos a Ele no funcionamento interno do nosso coração, na maneira de nosso pensamento, em nossas reações a tudo o que nos ocorre no plano terreno, também devemos tornar-se um fato semelhante a Ele em Sua Divindade. Os Evangelhos fornecem uma imagem suficientemente clara Dele, enquanto as Epístolas descrevem a experiência da vida Nele. Seus mandamentos são a Luz incriada em que Ele se revela particularmente a nós "como Ele é" (João 3:2). "Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue, não andará em trevas, mas terá a luz da vida." (João 8:2)
Quando nos examinamos à luz dos mandamentos do Senhor, vemos que somos totalmente corruptos e desprovidos de qualquer capacidade de bem. Horrorizados, nos arrependemos diante de Deus e o imploramos para nos restaurar da morte com a qual somos atingidos. Estamos prontos para quebrar as correntes de nossa própria vontade e entregar-nos inteiramente à Sua santa e perfeita vontade. Mas ah, o quão difícil isso é, especialmente no início! No entanto, é o meio pelo qual podemos nos juntar ao fluxo de Sua eternidade. Confiar em Deus em tempos de perigo concentra nosso espírito Nele e podemos sentir Sua imortal respiração sobre nós. Este grande presente entra por um arrependimento humilde mas abrasador. Um milagre — quanto mais eu "vejo" Deus, mais ardente se torna o meu arrependimento, já que reconheço mais claramente minha indignidade pela sua visão.
A Encarnação tornou possível que a humanidade seguisse o caminho para o Pai, perseverando no espírito dos mandamentos de Cristo em todas as circunstâncias da vida terrena. O amor por Cristo que vem da guarda desses mandamentos torna a oração intensa, ardente, levando tal avidez pelo Senhor, para que o espírito percorra os confins deste mundo, para ser absorvido pelo Deus Único. Esse tipo de oração cria um laço entre a alma e o Espírito da Verdade, e quando ela conhece esse Espírito, a reconhecerá "como seu salvador", como expressou São Siluan e se entregou a Ele. E, inversamente, a alma espontaneamente, rejeitará intuitivamente inúmeras verdades fantasmas capazes de atrair a mente inexperiente e o coração não-iluminado. A Luz Divina revela a verdadeira natureza dos espíritos tentadores, e assim nos livra das atrações tolas da "oposição".
A encarnação do Logos do Pai — Jesus Cristo — fornece um fundamento sólido para o nosso conhecimento de Deus. Accionado por amor a Ele, passamos por uma transformação profunda de todo o nosso ser. A vida infinita de Cristo é transmitida a nós. Nosso espírito se encontra em polos opostos — tanto as profundezas obscuras do inferno como o Reino de Deus iluminados pelo Sol que nunca se põe.
O conteúdo do nosso ser se expande ineficazmente. Em uma oração urgente, a alma aspira a este Deus maravilhoso, mas é muito tempo antes de perceber que Ele mesmo está orando em nós. Através desta oração dada por Deus, somos unidos existencialmente com Cristo — em primeiro lugar, em Seu Auto-esvaziamento e descida até o hades, e depois em Sua Divindade. "E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste." (João 17:3)
São Sofrônio Shakharov, "We Shall See Him As He Is". Pgs, 150-152, 170.
Tradução: Felipe Rotta