Então, e se algo como religião for verdadeira? E se Platão e os gregos estivessem em alguma coisa, que existe um mundo ideal lá fora, perfeito e incorruptível e, quanto mais nós o imitamos, mais ressoamos morfologicamente com esse reino, mais encarnamos a origem de toda a vida? Se assim for, então, no momento em que cessamos de realizar rituais religiosos, menos vida ressoa em nosso Reino material, não temos nada para conter a entropia natural da desintegração e da morte inerente ao universo, a própria forma de existência perde suas fronteiras, tudo se torna sem forma, tudo se torna normal, tudo se torna Kali trazendo a morte.
Então, agora temos um lugar não consagrado, encantado com os deuses da máquina, no centro não há deus senão dinheiro e isso não pode manter.
Mircea Eliade em "Consagração de um lugar: Repetição da cosmogonia" conta essa história, "Segundo as tradições dos achilpa, uma tribo Arunta, o Ser divino Numbakula “cosmizou”, nos tempos míticos, o futuro território da tribo, criou seu Antepassado e fundou suas instituições. Do tronco de uma árvore da goma, Numbakula moldou o poste sagrado (kauwa auwa) e, depois de o ter ungido com sangue, trepou por ele e desapareceu no Céu. Esse poste representa um eixo cósmico, pois foi à volta dele que o território se tornou habitável, transformou-se num “mundo”. Daí a importância do papel ritual do poste sagrado: durante suas peregrinações, os achilpa transportam-no sempre consigo e escolhem a direção que devem seguir conforme a inclinação do poste. Isto permite que os achilpa, embora se desloquem continuamente, estejam sempre no “seu mundo” e, ao mesmo tempo, em comunicação com o Céu, onde Numbakula desapareceu.
Se o poste se quebra, é a catástrofe; é de certa maneira o “fim do Mundo”, a regressão ao Caos. Contam Spencer e Gillen que, tendo se quebrado uma vez o poste sagrado, toda a tribo foi tomada de angústia; seus membros vaguearam durante algum tempo e finalmente sentaram -se no chão e deixaram-se morrer.
Esse exemplo ilustra admiravelmente, e a um só tempo, a função cosmológica do poste ritual e seu papel soteriológico: de um lado, o kauwa auwa reproduz o poste utilizado por Numbakula para cosmizar o mundo; de outro, é graças ao poste que os achilpa acreditam poder comunicar-se com o domínio celeste. Ora, a existência humana só é possível graças a essa comunicação permanente com o Céu. O “mundo” dos achilpa só se torna realmente o mundo deles na medida em que reproduz o Cosmos organizado e santificado por Numbakula. Não se pode viver sem uma “abertura” para o transcendente; em outras palavras, não se pode viver no “Caos”. Uma vez perdido o contato com o transcendente, a existência no mundo já não é possível – e os achilpa deixam-se morrer."
DESMOND FENNELL credita a miscelânea de valores e regras na raiz do nosso suicídio coletivo. [1]
"Esse fator é a condição social que o sociólogo Emile Durkheim, em seu livro seminal sobre suicídio, chamou anomia, ou a falta de normas.
"Anomia é um conceito desenvolvido por Emile Durkheim para descrever a ausência de normas e valores sociais claros. No conceito de anomia, os indivíduos não têm senso de regulação social: as pessoas se sentem desorientadas nas escolhas que eles têm que fazer. Durkheim distinguiu entre suicídio egoísta, suicídio anomico, suicídio altruísta e suicídio fatalista, amplas classificações que refletem as teorias então predominantes do comportamento humano. Descartando o suicídio altruísta e fatalista como sem importância, ele viu o suicídio egoísta como conseqüência da deterioração dos vínculos sociais e familiares".
"... deixe-nos notar que a causa imediata do suicídio é uma dor extrema da alma, enquanto o ato em si é um fim deliberado da dor por destruição da consciência.
Sabemos o que aconteceu com essas "tribos primitivas". A geração mais nova de uma tribo, ao invés de encontrar uma abordagem para a vida que fazia sentido para eles como tinha com seus antepassados, encontrou cada vez mais uma miscelânea sem sentido de valores e regras. Como resultado, eles experimentaram cada vez mais a dor potencialmente letal e encontraram a liberação definitiva ou temporária da consciência através de suicídio ou embriaguez repetida, ou ambos. Simultaneamente, a fertilidade da tribo caiu quando se moveu em direção a um suicídio coletivo.
Quando um poder preponderante introduz seu próprio sistema de regras em uma comunidade estabelecida há muito tempo, de modo que os elementos de dois sistemas de regras opostos coabitam, a anomia se origina na comunidade afetada...pode ser descrita como colonização ideológica com um propósito professamente idealista que, como as intervenções europeias nas "tribos primitivas", visava trazer uma vida moralmente melhor.
...a partir da década de 1960, os valores e as regras americanas consumistas-liberais foram introduzidas nos EUA, e através dos aliados, para os satélites da Europa Ocidental.
Todos também podem se tornar esclarecidos e modernos, aceitando uma série de novos valores e novas regras de comportamento, pensamento e linguagem que estavam em desacordo com a herança européia em esferas-chave.
Isso produziu o que poderíamos chamar de "sofredores" e "oportunistas". O último, aproveitando a falta de normas, aumentou o número de assassinatos em seis vezes, introduziu-se indiferentemente em elos sexuais, o que levou a muitos mais famílias monoparentais do que a média européia, e assim por diante.
As gerações mais novas, não dirigidas pela sua sociedade ou seus pais desvalorizados, desempenharam um papel importante nesta desintegração social.
Os sofredores eram de dois tipos. Alguns, frustrados e ofendidos pelo fracasso da sociedade em oferecer-lhes uma abordagem coerente para a vida, destruíram sua consciência. Se mulheres, elas costumam fazer mais com auto-dano (uma tentativa de tornar a dor suportável transferindo-a de alma para corpo).
Jovens e mulheres assediados por ataques da dor buscam respaldo em fugas temporárias da consciência através do consumo excessivo de álcool e drogas. O outro tipo de sofredores, em sua maioria homens, tiraram a vida durante períodos de prosperidade porque se desesperaram de obter, esse crescente enriquecimento que a sociedade os levou a esperar".
A solução é uma imaginação sacramental, moldada em ritual religioso, uma re-imaginação religiosa radical que transfigura todo o cosmos.
[1] - https://www.irishtimes.com/opinion/mishmash-of-values-and-rules-at-the-root-of-suicide-1.12817 (em inglês)
Artigo Original: http://disfiguredpraise.blogspot.com.br/2017/07/suicide-of-west-part-2-durkheims.html
Tradução: James Paixão.